Não tão solitário

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Fazem 144 horas desde o meu despertar, são cerca de 8 horas da noite. Armei meu "acampamento" em um ônibus que achei estacionado ao lado de um escritório. Me pergunto o que era aqui antes disso tudo. Sendo sincero, não estou bem, sei que aquela coisa está me acompanhando e isso mexe comigo. Aquela criatura não falava comigo como uma ameaça, ela parecia... obcecada, mas o que alguém como eu tem de tão especial? Tenho quase certeza que estou enlouquecendo.

Também tenho quase certeza de que você está se perguntando por que escolhi um ônibus ao invés de literalmente qualquer outro lugar, e o motivo deve ser essa insanidade que tem tomado conta de mim. No caminho todo, escutei as vozes de meus antigos amigos, se é que eram amigos...

Davi, Oscar e Jennifer, seus nomes estão lentamente sendo apagados da minha memória, mas aquela voz não era uma memória, eu posso jurar que as escutei. "Socorro, Socorro, Trevor" era até engraçado, palavras de desespero sendo gritadas aos montes sem nem ao menos um pingo de expressão, e acompanhadas de uma pequena melodia, como um assobio que desaparecia junto de seus gritos.

Mas claro que fui olhar o que era, conforme me aproximava tudo me falava para sair. Saindo do asfalto, pisando lentamente na grama, o silêncio se tornava completo, minha respiração era meu único foco, até chegar em uma ponte. Eu sabia que o que quer que fosse estava ali, eu podia sentir minha tensão aumentar, a cada passo me aproximando, um cheiro forte de podridão e terra entupiram meu nariz. Me abaixei lentamente para poder olhar o que havia lá, e em meio à escuridão que descia junto ao fim de tarde, percebi o motivo daquela cidadezinha estar tão abandonada...

Uma criatura digna de destruir o psicológico de qualquer um que a visse, acorrentada debaixo da ponte. Sua pele branca, pálida e flácida, como se estivesse coberta com a pele de quem chegou lá antes de mim, seu corpo bizarro, três cabeças enormes que se embolam entre si, até chegar na massa que chuto ser o corpo. Não olhei por tempo suficiente para dizer se seus olhos eram extremamente fundos, ou se ela ao menos tinha um, mas com aqueles dentes amarelos, aquele demônio sorria para mim. Ela sabia que eu estava lá, e implorava para que eu a soltasse, debatendo seu corpo enquanto tentava simular uma emoção, mas seus sorrisos perversos me indicavam outra coisa, ela será eternamente esganada por suas correntes, mas, por um pequeno instante, pude sentir sua fome.

Agora, já estou me preparando para dormir, mesmo com aquela descrição me sinto longe de explicar tudo que vi naquela ponte, sinto que essa memória está sendo apagada mais rapidamente do que as que tinha no outro mundo. Graças a Deus não vou ficar com a imagem daquela coisa na cabeça, mas sua voz ainda está na minha cabeça, como se estivesse gritando ao lado do ônibus.

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