Não é raro o estranhamento entre vampiros. De fato, o faro é uma forma de identificar ameaças, já que poucos sabem mascarar o aroma da violência e da sede por sangue. No entanto, os bons modos pedem que esse costume datado de eras remotas seja evitado em território diplomático, em sinal de cortesia. Catarina não sabia disso, sequer como evitar, não imaginou que ficaria tão arisca.
— Edgar. Diga... Quem é essa rata suja? — Ofélia resmungou, entre dentes. O rosto dela era ameaçador. — Está perdendo as sessões no Elísio por causa desta cria rabugenta?
— Viu só, querida? Eu tinha razão. Seis noites... — Beatrice pareceu enojada. Gralhou.
— Eu sei..., mas... ainda assim... eu precisava ver com os meus próprios olhos. — Por trás de todo seu terror, Ofélia se compôs, mas permaneceu estupefata. Era uma vampira de magreza sútil, com pele leitosa e longos cabelos castanhos cacheados, dona de um olhar com a brisa de esmeralda, uma figura quase tão incrível quanto uma princesa de grandes fábulas.
A feição de Beatrice não amenizava, permanecia tão ameaçadora quanto seu latente desejo de matar. Um movimento brusco seria o bastante para trucidar sua irmã mais nova.
— Por que você a deixa existir, mestre? — Beatrice perguntou. — Ela é a prova de que você desrespeita as tradições.
— Mestre... — Ofélia buscou mediar com um tom brando. — O Senhor tem sorte de ter nossa lealdade. — Gesticulou.
— Isto não é tudo que eu tenho de vocês... — Edgar não disfarçou o quanto era sórdido.
Enquanto confabulavam, escolhiam ignorar a neófita que, por um segundo, se desarmou buscando entender o que estava se passando. Tentou juntar partes da conversa, mas não entendeu metade. Já tinha ouvido das tradições antes, entretanto, não fosse por sua reação pouco polida, não entendia a comoção odiosa que lhe era direcionada. O que ela tinha feito de tão errado?
— Por que vocês me odeiam tanto se ainda não me conhecem? — Catarina rompeu o debate. — Senti o seu desprezo no momento em que vocês puseram os olhos em mim, eu apenas me defendi.
Eles se entreolharam. O semblante hostil de Beatrice esmoreceu.
— Pobrezinha, tão inocente. — Ofélia caçoou. — Nosso senhor não te informou? Imagino, ele tem dessas. Eu poderia, é claro, te atualizar nos detalhes, mas já adianto que você não vai gostar de saber...
— Você não precisa fazer isso, Élia. — Edgar falou, meneando com a cabeça.
— Eu exijo saber! — Catarina firmou o pé. — Não me escondam nada.
— Catarina, esse é o seu nome, não? Pois bem, gostei da sua iniciativa... então vou ser honesta contigo. — Ofélia fez uma pausa para arrumar seu cabelo, então Beatrice continuou a explicar.
— Ao ser trazida para este mundo, você deveria ter sido apresentada ao Elísio, pois ter a aprovação de outros vampiros é importante para todos nós, em especial a aprovação do Prefeito. No entanto, este mesmo vampiro criou um decreto proibindo a conversão de novas crias na cidade até que as coisas melhorem, já que estamos passando por tempos muito difíceis. — Triz pôde ver sua irmã se esforçando para entendê-la.
— Estão chamando-o de Herodes, — Ofélia pontuou. — Como o assassino de crianças da Bíblia, bem... seja lá como for... O que estou querendo te dizer é que a sua chegada à não-vida foi, na verdade, a sua sentença de morte.
— Posso cuidar para ser indolor. — O olhar de Beatrice se acendeu, tinha um traço gatuno próprio da sua fisionomia mais robusta. Era prática, notava-se. Da indumentária ao cabelo platinado com uma franja lateral, tinha um ar moderno e poderoso.
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O Édito Vampírico
VampireEstamos em Recife, o ano é 1996. Vampiros dançam um baile traiçoeiro e delicado. Edgar, um filho da noite, conhecido como Barão do Tráfico, arrisca sua não-vida e posição social ao transformar Catarina, uma jovem que ele conheceu por acaso depois de...