Catarina acordou assombrada. Algo lhe dizia que ela estava pairando no ar, planava com bastante leveza. Gostou da sensação até que abriu os olhos e sentiu um disparo. O impacto do seu corpo quando aterrissou na cama era como se despencasse de um prédio e — naquele instante — seu coração palpitava pela última vez. Imaginou que na noite anterior tinha dormido sem perceber, resmungou um pouco do quanto trabalhava e xingou tudo aquilo mentalmente. O desgaste fazia parte da rotina.
Em dois meses, a agenda do celular iria lhe enviar um alerta informando das suas férias, tinha programado tudo. Não via a hora de ir à praia, curtir a família, passar o maior tempo possível longe dos caras malas do trabalho, sim, isso mais do que outras coisas. É verdade que vivia mais no escritório do que em casa. Arrependia-se disso, mas entendia o sacrifício.
A executiva decidiu rolar para fora da cama, agindo contra sua própria vontade de permanecer ali. Um novo dia estava para começar e os desafios seriam muitos; tinha deixado um relatório e sabe-se lá mais o que para terminar. Não lembrava quais compromissos tinha agendado, mas sempre poderia dar uma olhada nas anotações e se preparar no caminho, ou seja, outro dia sem hora para chegar. Apesar do cansaço permanente, tinha disposição para seguir com a lida diária. Em muitos aspectos, Catarina era uma mulher invejável.
Ela se forçou a ver no breu intenso do quarto por alguns segundos, sentindo falta do frio costumeiro da madrugada, quando seus pés descalços tocaram o chão, já que, nessa época do ano, o frio era mais severo que o comum. Que horas eram? Ela não sabia. Não encontrou o celular na mesa de canto para verificar, mas caso ainda estivesse muito cedo, voltaria a dormir, pois poderia muito bem usar mais duas horas de sono. Entre um pensamento e outro, ela tinha a sensação de estar se esquecendo de algo, no entanto, como não pôde recobrar o fio da meada, rapidamente afastou qualquer preocupação.
Preciso acender as luzes. Ela decidiu tatear por uma longa parede lisa, sem enxergar um palmo sequer na frente do nariz, uma vez que o ambiente estava totalmente imerso em sombras. Ela procurou pelo interruptor que ficava na lateral da porta, já que conhecia o quarto, e apesar da escuridão, pensou que não seria uma tarefa difícil. Buscou não tropeçar em nada, andou devagar nas pontas, estranhou os móveis que pareciam estar fora de lugar. Acabou esbarrando novamente na cama.
— Perdida no escuro, minha pequena criança? — Perguntou-lhe uma voz grave.
Criança? Ora, vamos! Era só o que faltava, pensou. Saber que estava sendo observada por um cara esquisitão lhe causou arrepios, sentiu tremeliques descendo por seu espinhaço. Naquele instante um gatilho foi acionado, um fragmento da memória no dia que foi perseguida no estacionamento. Teve um pico de adrenalina. Por que estava correndo? Não se lembrava.
Ela ficou imóvel na beirada da cama olhando na direção em que julgou ter ouvido a voz daquele sádico.
— Não precisa ter medo. — O homem tranquilizou. — Abra seus olhos.
Se ele estivesse tentando ajudar, havia falhado miseravelmente. Primeiro e não só por que agora ela tinha entrado em pilha, como também, mesmo de olhos bem abertos, ela não conseguia vislumbrar um vulto sequer. Havia ficado cega ou o quê? A ideia lhe percorreu a mente. Estava num hospital?
— Ah, entendo. — Ele ponderou. — Ainda existe muita humanidade em você, mas garanto que não será por muito tempo. Bestia clamat! — Dando ênfase a esta última parte que ela não entendeu.
— Besti... O quê? Quem é você? — A mulher o questionou, mas não era a única pergunta que ela tinha para fazer.
— No fundo, Catarina, você sabe a resposta para isso. — Em vez de pausar em tom de mistério, como da última vez, agora ele continuou e preencheu o silêncio. — Antes que me pergunte, você está em casa. Sua nova casa, de toda forma.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Édito Vampírico
VampirEstamos em Recife, o ano é 1996. Vampiros dançam um baile traiçoeiro e delicado. Edgar, um filho da noite, conhecido como Barão do Tráfico, arrisca sua não-vida e posição social ao transformar Catarina, uma jovem que ele conheceu por acaso depois de...