5 - Parceria com um leão

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— Aceita um cigarro? — Lucius abriu um maço. — Não aceito não como resposta.

— Estou ouvindo isso mais do que eu gostaria, mas aceito, sim. Obrigado. — Edgar acenou. O Prefeito parecia inquieto. Procurou o isqueiro nos bolsos, pensou, onde o havia deixado.

— Aqui, tome. — Oferecendo fogo, Edgar fitou o vampiro bem nos olhos.

— Muita gentileza sua. — Lucius acendeu os dois cigarros de uma vez num trago e exalou em seguida.

Estavam num escritório simples da igreja. Havia uma mesa pesada e alguns assentos de madeira acolchoados.

— Tome um desses. Sente-se. — Entregou uma bituca. Era um homem um tanto calvo. Falava com autoridade, mesmo agora num momento mais íntimo.

— Você parece preocupado, velho amigo. Está tudo bem? — Edgar questionou.

— Como se você não soubesse... — Lançou um olhar em resposta. — Mas não foi por isso que eu te trouxe aqui, Tivori. Sabe, Edgar... Seu comércio cresceu graças à minha generosidade. Espero que não se esqueça disso, eu acendo o fogo para todos aqui, se é que me entende. Eu protegi seu negócio, mas agora recebi notícia de que uma dupla de policiais foi morta em seu domínio e não é a primeira vez.

— Se está supondo que eu estou envolvido de alguma forma... — Edgar soltou fumaça.

— Você não é sangue novo, porra! Sabe que é responsável pelo que acontece no seu domínio. É seu dever cuidar dele! Os lobos estão nos assistindo, infiltrados na corporação. — Lucius fuzilou com o olhar, mas depois se recompôs.

Herodes, como os outros o conheciam secretamente, vivia entre muitas personalidades. Edgar sabia quando não dizer nada, esperou que o Prefeito se recompusesse.

— Peço sua colaboração, pois estou tentando firmar uma trégua. — Apertou as mãos com raiva e ajeitou os poucos cabelos que tinha. — Eu quero fazer do Recife uma cidade melhor para todos.

— Nossas linhas de trabalho são opostas. Se realmente existem filhos da lua na polícia, como você diz, então, como espera que eles não montem uma operação para desmontar nosso esquema? A meu ver, eles vão fazer de tudo para enfraquecer nosso poder na região. — O músico pontuou.

— Investigue o que aconteceu com esses policiais, traga um relatório para mim e deixe que me encarregarei do resto. Não quero que os lobos tenham pretexto para se envolver nos nossos negócios. Eles precisam de um culpado, daremos isso a eles para fazerem isso desaparecer e não se metam nos nossos assuntos. Aliás, quero que me diga, como andam as coisas?

— Acho que quis dizer... Onde está o tributo? Afinal, todos os meses pagamos uma quantia generosa aos cofres da cidade. Será efetuado na data do acordo, como sempre, é tudo o que há para saber. — O vampiro com a menor patente concluiu.

Na verdade, evitou muito do que podia ter dito. Informação é poder. Edgar sabia disso e controlava cada palavra para não comentar mais do que deveria. É certo que a procura por cocaína havia triplicado e a oferta não tinha acompanhado a procura. Tivori havia se certificado disso para valorizar o produto, uma substância altamente aditiva.

Uma vez em seu sistema, a droga faz a pressão sanguínea ficar elevada; o indivíduo se torna elétrico, os batimentos aceleram, o usuário sente picos de prazer e energia, mas em troca o corpo sofre imenso estresse. Em sua forma pura e em quantidades humanas, a coca é quase inofensiva para um vampiro, então acaba não fazendo tanto sucesso para este público. No entanto, quando diluída no sangue da vítima, mesmo os filhos da noite não passam ilesos ao efeito.

Alguns se rebaixam ao vício se alimentando de drogados e viciados de rua que, embora pareça repugnante para a elite, cria um ciclo destrutivo, mas um mercado forte. Vampiros financiam a droga para os humanos que vão consumir, no fim, é uma rede de duplo benefício. Nomes, números de telefone, lugares, atravessadores. Edgar controlava tudo isso, fez carreira onde a maioria das pessoas virava os olhos. Saiu da sala intocado, ao que parece, todavia não era o suficiente para sentir qualquer alívio.

Deu as costas para o Prefeito após saudá-lo na saída. Havia passado mais tempo do que gostaria naquele lugar, sentia fome e precisava se alimentar. Havia consumido muito sangue frio enquanto tomava conta da sua cria, precisava de mais. Falando dela, só o fato de que Edgar podia sair dali com a cabeça sobre o pescoço significava que ninguém havia descoberto sobre Catarina.

Entretanto, com seus 181 anos de não vida, ele sabia que não iam deixar de procurar, pois ele havia se tornado dono de um verdadeiro império que outros vampiros invejavam para si. Mesmo os seus melhores aliados podem deixar de sê-lo, parte da própria natureza parasita.

— Garotas, sinto que algo está errado. Precisamos ir, me encontrem na Praça do Diário, não demorem. — Edgar se comunicou telepaticamente com Ofélia e Beatrice, uma das habilidades naturais do sangue dele. Havia adquirido a capacidade há cinquenta anos, mas só na última década aperfeiçoou este poder. Conversava sem precisar dizer uma palavra.

Quando o mestre sentiu que elas haviam concordado, todos partiram imediatamente para o lugar indicado. Escolhido não por acaso, apesar de não ficar tão longe, a Praça do Diário era o primeiro ponto nas redondezas fora do raio do Elísio, dessa forma, seria permitido que se alimentassem discretamente sem o julgamento dos demais cainitas.

As mulheres sabiam o que estavam fazendo ali, não era sua primeira noite, Edgar as deixou estar. Elas sabiam como ganhar o que queriam. Alguns sem teto já os conheciam de vista, a maioria deles se afastava quando via um deles se aproximar. Um mendigo olhou para o homem bem-vestido em sua frente e pensou que poderia lhe arrancar alguns trocados.

— Boa noite, senhor. — Limpou o nariz com o pulso. Tinha uma aparência limpa, apesar das roupas desgastadas. — O senhor poderia me ajudar com um trocado? Eu estou com fome. — A voz ficou embargada.

O sujeito tinha quase a mesma altura mediana de Edgar. Falava a verdade, o vampiro soube pelos batimentos cardíacos.

— Eu acho que posso te ajudar, mas em troca vou precisar de algo seu.

— Mas eu não tenho nada... Senhor. — O mendigo retrucou.

Sacou algumas notas do bolso do paletó. Exibiu-as para o rapaz, parecia ter por volta dos seus vinte e tantos anos, ainda teria muito o que viver se tivesse sorte.

— Tome. Esse dinheiro é seu. — Edgar entregou em mãos e completou. — Você não vai sentir nada, eu prometo.

Por um instante, o pedinte não entendeu nada e, no segundo seguinte, a vista escureceu. Não viu quando foi tomado pelo braço; sentiu-se como se muitas agulhas atravessassem sua pele, ele não sabia quantas. Quase desmaiou, ficou em pé em completo êxtase. Pareceu um piscar de olhos, entretanto, quando ele deu por si, a noite havia passado e os primeiros raios do sol começavam a incomodar.

A figura que conheceu havia desaparecido sem deixar rastros. O mendigo sequer se lembrava do rosto do cara que abordou na praça; diga-se de, antemão, era um rosto que ele não voltaria a encontrar, pois esse morador de rua seria assassinado a facadas na noite seguinte por um de seus "amigos" que teria tentado assaltá-lo.

Enquanto recobrava a consciência, pensou se havia baratinado. Não, nãolembrava de ter usado nenhuma droga, ele concluiu. Uma vez que não seconsiderava um viciado, mas usava algumas vezes. Procurou nos bolsos para verse achava alguma coisa e — para sua surpresa — encontrou uma esmola alta, boa obastante para almoçar uma semana inteira. Sentiu-se feliz, foi até uma padarianaquela manhã de poucas nuvens e se empanturrou com pães novos recheados commuita mortadela.

O Édito VampíricoOnde histórias criam vida. Descubra agora