O fio de prata

02

    Capítulo 2


Os dias passaram enquanto Lan Wangji se adaptava à sua vida dentro da Mansão Wei. Comia pouco e dormia menos ainda. Cada vez que fechava os olhos, sua mente ficava obstruída com um sonho após o outro, a ponto de hesitar em dormir.
Os rostos de sua família o assombravam e o momento de silêncio antes de dormir deixava sua mente vazia demais. Ele a encheu de planos de fuga, mas sua situação desesperadora o pesava cada vez mais.
Luo Qingyang não saiu do seu lado, enquanto Wei Wuxian não apareceu por uma semana. Lan Wangji descobriu que ele havia passado um dia na residência de Wen Chao e se amaldiçoou por deixar essa oportunidade escapar.
Seria muito mais fácil escapar sem a presença de Wei Wuxian na mansão.
Até agora, Lan Wangji acompanhava a patrulha do guarda fora de seu pátio. Eram seis no total, dois no portão da frente e quatro caminhando pelo perímetro. O problema era que eles mudavam de turno de maneira errática. Às vezes eram dois às vezes três guardas e às vezes nem um pela noite inteira.
Na semana passada, Lan Wangji não conseguiu descobrir um padrão. Mesmo que de alguma forma conseguisse passar por Luo Qingyang e A-Su, ele teria que correr o risco de escapar do serviço de guarda ativa.
Uma vantagem de ser um concubino desfavorecido era que ninguém lhe perturbava dentro do pátio. Então, se ele conseguisse incapacitar suas criadas durante a noite, ele poderia esperar perto das paredes pela mudança de turno e então escapar. Ele só precisava descobrir como incapacitar Luo Qingyang. O que parecia impossível.
No pouco tempo em que não estava pensando em como escapar, Lan Wangji escreveu as regras de Lan. Todas as manhãs, ele encontrava sua mesa vazia, os papéis que havia preenchido queimados no braseiro.
E a cada dia ele os enchia novamente. Se quisessem desperdiçar papel caro, ele não iria se opor. Eles estavam realmente subestimando quantas vezes ele poderia escrever as regras dos Cloud Recesses. Até mesmo seu próprio mestre aprendeu a escrever copiando essas mesmas linhas.
Foi no início da segunda semana que a monotonia da sua estada quebrou. A ajuda veio de uma fonte inesperada quando Lan Wangji sentiu A-Su deslizar um pequeno pedaço de papel para ele com sua xícara de chá.
Lan Wangji escondeu-o antes que Luo Qingyang pudesse notar e abriu-o na banheira depois de enxotá-los. Seu coração batia forte no peito enquanto ele desdobrava o papel, tomando cuidado para não molhá-lo. Dentro, havia apenas uma palavra:
Vingança
Ele o esmigalhou no punho antes de submergir na água e esfregar o papel até formar um pedaço irreconhecível, com a tinta acabando. Após o banho, ele olhou para A-Su, mas ela o ignorou.
Ele entendeu. Agora não.
Eles foram ao conhecido pavilhão do jardim à tarde, e Lan Wangji mandou Luo Qingyang ao cozinheiro, pedindo bolos de feijão vermelho. A-Su serviu-lhe chá e foi ficar ao lado dele, enquanto ele se sentava à mesa de pedra, o vento suave acariciando seus cabelos. O mundo parecia continuar, deixando Lan Wangji para trás em sua bagunça confusa.
Com a voz baixa, A-Su disse, observando os guardas: “Esta serva pede licença de meio dia para visitar o templo.”
Lan Wangji olhou para ela. “Por que você não pode fazer isso no seu tempo livre?”
“Amanhã marca três anos desde que meu irmão  foi para a frente. Eu queimo incenso todos os anos no templo do Dragão Azul para orar por seu retorno seguro.”
Lan Wangji inclinou a cabeça, pensando. Finalmente, ele assentiu. “Muito bem.”
Ele não pediu para ver Wei Wuxian, não imediatamente. Ele precisaria de sua permissão para ir ao templo, mas seria muito suspeito se pedisse imediatamente. Em vez disso, ele esperou, esperando que A-Su ainda estivesse disposta a conversar.
Em um curso inesperado de acontecimentos, antes que pudesse ir até Wei Wuxian, Mas  Wei Wuxian veio até ele.
Lan Wangji estava sentado perto do lago de lótus quando Wuxian chegou. Ele ficou surpreso ao vê-lo, ainda mais pelo fato de ser antes do pôr do sol.
Wei Wuxian parecia chateado enquanto caminhava pelo pequeno jardim do pátio de Lan Wangji, que não se preocupou em cumprimentá-lo.
“Por que você não está comendo?” Wei Wuxian retrucou.
Lan Wangji levantou a cabeça. “Eu estou.”
“Então por que eles estão me dizendo que você pula refeições todos os dias?”
“Por quê você se importa?”
O rosto de Wei Wuxian estava quase vermelho de raiva. “Essa é a sua maneira de se matar? Porque não vou deixar você escapar tão facilmente, Lan Wangji.”
Lan Wangji franziu os lábios e manteve a boca fechada.
“Responda-me!”
“Por quê você se importa?”
Wei Wuxian deu um passo à frente até olhar para Lan Wangji, que se arrependeu de sua escolha de continuar sentado e procurou uma maneira de escapar. Wei Wuxian agarrou seu queixo antes que pudesse fazer qualquer coisa e virou o rosto para ele.
“Você vai comer”, ele sibilou. Quando Lan Wangji ainda se recusou a se render, Wei Wuxian rosnou e o soltou.
“Diga-me que você vai comer.”
Lan Wangji desviou o olhar e torceu o nariz.
“Lan Wangji, diga-me que você vai comer.”
Ele se recusou a lhe dar qualquer coisa. Este homem não merecia nada dele.
Torcendo o nariz, Wei Wuxian zombou e olhou para ele com desgosto. “Ninguém vai se importar se você morrer. Você me ouviu? Você não está fazendo nada por ninguém ao morrer. Você acha que eu me importo? Eu não. Vou encontrar outra pessoa para foder. Vá morrer e nos livre do Lan sangue de cachorro que corre em suas veias de uma vez por todas.”
Com isso, Wei Wuxian foi embora, deixando Lan Wangji sozinho com as mãos trêmulas. Sua garganta doía com tudo o que ele tentava manter dentro de si, ao se lembrar mais uma vez do que Wei Wuxian havia se tornado.
Ele fechou os olhos, as mãos cerrando os punhos, e respirou lentamente. Ele não podia deixar que seus sentimentos o dominassem. Ele não poderia ser egoísta. Ele tinha algo maior do que ele mesmo pelo qual lutar.
Wei Wuxian estava quase no portão quando Lan Wangji gritou: “Espere”.
Wuxian parou e se virou lentamente, observando-o com olhos cautelosos enquanto Lan Wangji corria em sua direção.
“Gostaria de permissão para visitar o templo”, disse Lan Wangji, estranhamente sem fôlego.
Wei Wuxian franziu as sobrancelhas, o rosto cético. “Você quer orar?”
“Pela sua vitória”, ele brincou, deixando escapar uma gota de sua fúria da única maneira que pôde.
Wei Wuxian arregalou os olhos surpreso antes de uma pequena risada escapar dele. Não parou por aí. Ele continuou rindo, apertando a barriga até ter que parar para enxugar os olhos, sua raiva quase esquecida. “Quando você se tornou tão devoto?”
Lan Wangji olhou para ele sem expressão.
Wei Wuxian ainda sorriu para ele, um resquício de sua risada, e esperou que ele respondesse. Não demorou muito para que ele percebesse, substituindo sua expressão por um olhar de horror. Ele esfregou a nuca, desviando os olhos, e Lan Wangji sabia o que ele estava pensando.
Sua família acabara de morrer.
“Certo,” Wei Wuxian disse sem jeito. “Você pode ir.”

Lan Wangji mal teve tempo de processar esse surpreendente ato de misericórdia antes que Wei Wuxian continuasse: “Mas você estará acompanhado por seis guardas.
“Mianmian?”
“Luo Qingyang. Sua atendente. Ela irá acompanhá-lo até o templo.”
Lan Wangji aceitou suas ordens sem protestar, mesmo com o nome “Mianmian” arranhando sua garganta. O nível de familiaridade necessário para Wei Wuxian chamar um de seus subordinados de Mianmian.
Uma linda mulher nisso.
É por isso que ele não tinha concubinas?
Não, Lan Wangji balançou a cabeça. Não era da conta dele. Wei Wuxian deixou bem claro o quanto se importava com Lan Wangji. E Lan Wangji iria retribuir o favor. Wei Wuxian não conseguiu controlar seu coração depois de tudo que disse, depois de tudo que fez. Seus sentimentos de décadas poderiam levar algum tempo para evaporar, mas ele não iria permitir que eles influenciassem seu julgamento.
Afinal, ele tinha um propósito. E se o que ele acreditava na mensagem de A-Su estivesse certo, ele estava um passo mais perto de seu objetivo.
           ***

O Templo do Dragão Azure era um local idílico, espalhado por toda uma colina. Era maior do que qualquer templo que Lan Wangji tinha visto na cidade de Caiyi e estava localizado na periferia da capital, longe de suas ruas movimentadas. Não era o templo preferido da nobreza, mas era impressionante por si só.