MENTIROSA. Minha mente vocifera.
Os meus ossos amolecem, mal sustentam o corpo. O cheiro de sangue pinica meu nariz, provocando uma onda nauseante na boca do estômago.
— Está me ouvindo?! — Uma voz me arranca da desolação.
Andrea aponta a faca contra meu rosto, a mesma que utilizou para matar.
Assassina.
Assassina.
Assassina.
— Assassina. — Cuspo as palavras em voz alta pela primeira vez.
Você a matou. Penso.
Andrea estreita os olhos, olhos azuis que uma vez tanto admirei, mas agora provoca arrepios pela espinha.
— Não aja como se fosse inocente. Lilian está morta e você nem cogitou ligar para polícia.
Recuo.
Há chamas no meu coração após ser apunhalado por suas palavras frias.
— Repita a história, não pode haver brechas. — Andrea rompe o silêncio.
Uma nuvem escura esfumaça a mente, mas minha boca jorra as palavras livremente.
— Bebi muito. Fui ao banheiro, no andar de cima, então ouvi um grito. Com medo, retornei à festa.
Seus lábios vermelhos se erguem em um sorriso.
— As câmeras do andar de baixo registram o momento que você foi para o andar superior.
— Mas eu não voltei. — Argumento.
— Sim, você voltou. A gente se encontrou e ficamos a noite inteira dançando.
MENTIROSA.
— E o corpo?
— Não se preocupe com isso. Apareça amanhã na escola, ainda há alguns pontos soltos que precisam ser alinhados.
Olho para o cadáver. As lembranças me atingem, me sufocam. Me esfolam.
****
Assim que estacionamos em frente à minha casa, Andrea tira a mão do volante e finca as unhas vermelhas no meu braço.
— Essa noite nos conectará para sempre. Estará marcada em nossas almas. Não se esqueça disso: se eu cair, você também cairá.
Absorvo as palavras, permito que elas adentrem meus ossos.
Andrea amaldiçoou meus dias na terra, me condenando a uma vida de arrependimentos e segredos.
****
Entro na banheira, a água tira o suor e a maquiagem acumulados na pele.
À medida que a água esfria, um vazio se apossa do meu corpo.
Não sinto o frescor e a leveza de uma pele limpa. A sujeira e a podridão haviam adentrado a carne, manchando a alma.
Ainda sinto o cheiro de sangue.
Ainda sinto o cheiro de morte.
Uma luz pálida rola pela janela, reluzindo na lâmina de barbear.
ASSASSINA.
Fecho os olhos com força, tentando empurrar as memórias para longe; mas elas parecem animais famintos pela minha dor.
Em um súbito desespero, deslizo a lâmina afiada na pele macia entre as coxas, a água fica escarlate.
Mais sangue.
Vomito.
Essa noite fria de dezembro foi minha morte,
Meu pesadelo,
Meu fim,
E o início das incontáveis mentiras de Andrea.