01 - Rejeição

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1867, Austria.

        
        Observo cautelosamente a pequena joaninha passar de uma folha para outra, e isso me faz refletir o quanto somos insignificantes nesta vida. Seja em qualquer âmbito. Além de sermos completamente substituíveis. Solto um suspiro e com as mãos inclino a folha para a do lado, a fim de que o pequeno inseto pudesse ir. E assim que consegue, eu apanho a generosa folha de couve, pondo-a em seguida na minha cesta de legumes.

Franzo os olhos assim que levanto do chão e olho para o céu, o sol parecia até mesmo estar com muito ódio de tudo e de todos, brilhava e queimava sem pena. Solto um suspiro cansada. Mamãe me mandou logo cedo colher legumes para o jantar, mas eu sabia que isso era apenas para me manter longe de casa. Meus pais me odiavam.
Passo a caminhar de volta para casa, observando a lavoura de sempre, sempre verdinha e bem cuidada, graças a mim.

Vivíamos bem afastados da vila mais próxima, e tínhamos tudo que precisávamos aqui, parecia até que foi tudo planejado pelo papai, lembro-me de várias discussões intensas antes de virmos aqui parar. Estávamos fugindo.

Logo á frente vejo nossa casa e me aproximo em passos lentos, sem muita vontade. Passo a língua nos meus lábios agora secos pelo sol antes de passar pela porta.
– Você é a coisa mais preciosa da minha vida, meu amor! – Era a voz da minha mãe, e eu nem precisei olhar para saber que ela estava falando com a minha irmã. Ela nasceu pouco depois de virmos para cá. Agora ela já estava nos seus 8 anos. Mas pela sua língua sempre afiada, aparentava ter 30.

Reviro os olhos diante a cena e me encaminho para a cozinha onde lavo os legumes cuidadosamente. O jantar com certeza seria uma delícia como sempre.

Minha irmã desde que nasceu foi bem mais amada do que eu, ao ponto de até mesmo eu, com meus 17 anos, ter que a obedecer, e se eu não obedecer ela inventa qualquer mentira que seja, e o resultado são as intermináveis marcas roxas espalhadas por todo meu corpo.

– Aquela imprestável já voltou?! – Escuto meu pai entrar em casa falando alto, após me recompor do susto eu espero ele chegar até a cozinha para então falar.
– Estou aqui Papai. – Falo em tom baixo, e ele logo chega e levanta o olhar até mim. Logo em seguida ele me olha de cima abaixo. Meu vestido surrado é rasgado logo na minha perna esquerda, me encolho e forço minha atenção novamente para os legumes cortados e os que faltam.

Eu não lembro exatamente quando as agressões começaram mas lembro perfeitamente da primeira surra, seguida de várias até uns dias atrás.

– Papai! Papai! – Escuto os passos de Lyli ecoarem no piso do corredor até chegar na cozinha, logo seus longos cabelos escuros são vistos por mim, idênticos aos do meu pai. O mesmo a pega nos braços e beija seu rosto que rende uma doce gargalhada. Sinto um aperto no peito diante o gesto, embora eu já esteja acostumada com isso, não deixa de doer. Nunca tive esse carinho de nenhum dos dois.
– Ela demorou bastante, Papai! – Ela exclama apontando o seu dedo indicador para mim, enquanto o outro permanece na sua boca.

Logo os olhos azuis de papai chegam até mim e eu engulo em seco.

– Porque demorou? – Indaga se aproximando da grande mesa e fingindo pegar algo na mesma.
- O sol estava bastante quente... – Respondo um pouco trêmula, sua mão direita bate forte na madeira da mesa, derrubando alguns legumes. Me recupero do susto ao mesmo tempo que escuto os passos de mamãe se aproximando.
– Ela não demorou tanto assim... mas acho perfeitamente compreensivo, já que hoje o sol estava além de quente. – Minha mãe entra na cozinha falando calmamente. Embora ela me defendesse algumas vezes, ainda assim eu não tinha nenhum afeto por parte dela.

Meu pai suspira.

– Porque você sempre defende essa garota? Cassandra? – Ele vira-se para a minha mãe, seus cabelos escuros acompanham o movimento e eu aproveito a oportunidade para respirar. Minha mãe passa seu enorme cabelos loiros como os meus, para de trás da sua orelha e sorri para meu pai.
– Apenas não acho que precise de tanto, Steve. – Ela diz carinhosa se aproximando dele, ele rapidamente amolece seu corpo e vira-se para mim.
– Vá tomar um banho, está imunda! – Ele manda, e eu murmuro um "sim senhor" antes de passar pela porta correndo. Entro no meu pequeno quarto e pego minha toalha, saindo em seguida de casa.

Havia um lago aqui perto e apesar de termos um banheiro em casa e eu não poder usava, eu amava a água gelada deste lugar. Olho para o horizonte agora vendo o sol quase se pôr e sorrio vendo o mesmo brilhar na minha pele, desta vez sem me dar a sensação de queimação.

Tiro minhas roupas e sento-me brevemente á beira do pequeno batente de madeira que meu pai fez para lavar roupas. Olho meu corpo agora nú e passo minhas mãos no meu ventre. Antes eu achava super estranho não ter pêlos pubianos, mas hoje em dia já me acostumei. Mas quando vi minha mãe no parto de Lyli, me senti estranha por não ter.

Suspiro antes de fechar os olhos e saltar na água. Mergulho um pouco fundo e abro os olhos, observando a luz do sol bater nas águas azuis. É aqui que tenho alguma paz.

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