Mark:
"Você acha que conhece a morte, mas não conhece. Não até vê-la. Vê-la realmente. Ela entra em suas veias e vive dentro de você".
Hoje completa dez anos que minha mulher se matou. Dez anos que eu tento entender esse maldito pedaço de papel onde ela tentou se justificar escrevendo uma carta. Dez anos que eu carrego esse papel velho e desgastado dentro da minha carteira.
Dez anos é muito tempo.
A clínica onde eu trabalho é uma clínica privada. Nós temos um convênio com o Hospital Mercy, mas somos todos médicos particulares, que trabalhamos quando queremos e o quanto queremos. Não temos plantão e essas coisas de médicos normais. São sete consultórios: um psiquiatra, uma obstetra, uma ginecologista, um cardiologista, uma terapeuta, um pediatra e eu, o clínico geral. Nossa clínica fica no andar 12º de um edifício comercial.
Quando eu voltei da casa dos Dane, dei uma carona para a Camille. Hoje ela tem consulta com o Doutor Briggs, o nosso psiquiatra. Ela se senta na recepção, e o único agradecimento que ela me dá pela carona, é um aceno com a cabeça. Entro para a minha sala, e vejo que minha secretária Vivian deixou minha sala arrumada, como sempre. Dou uma pequena corrigida na posição dos livros da minha mesa. Após o suicídio de minha esposa, eu adquiri a necessidade de manter todos os aspectos de minha vida organizados e perfeitos para não levar mais nenhum tipo se susto. Com o tempo, meu colega de trabalho, Doutor Briggs, me diagnosticou com Transtorno Obsessivo Compulsivo. O famoso TOC.
Vivian nunca deu sinais de cansaço ou falta de paciência com minha condição. Ao contrário, sempre deu o seu melhor para antecipar qualquer eventualidade que venha acontecer. Sento em minha mesa e descubro que tenho apenas três pacientes para essa tarde.
- Vivian? - Chamo pelo comunicador que tenho em minha mesa, que se conecta com um na mesa dela. Dez segundos é o tempo que ela me deixa aguardando.
- Sim, doutor?
- Compre umas flores brancas para eu levar no cemitério hoje, por favor. - Ela assente e se retira. Outro fato sobre a Vivian: ela é silenciosa e na dela. Eu tenho um anjo em forma de secretária, isso sim.
Camille:
- Como tem passado essa semana? - O doutor coisinha questiona. Eu facilmente mataria ele com meu tédio se isso fosse possível. Prefiro mil vezes as consultas com minha terapeuta Daniele, ela não é tão exaustiva quanto esse cara.
- Bem e você?
- Camille, pela milésima vez: isso não é um bate-papo. Eu não sou um amigo seu, sou seu médico.
- Estou bem, doutor. Sem nenhum pensamento suicida essa semana. Porém tive um sonho muito estranho.
- E o que aconteceu nesse sonho?
- Eu vi a minha mãe.
- E isso é estranho por qual motivo? - Ele está de brincadeira, certo?
- Porque eu não convivo com ela. Não quero saber dela e nem ela de mim. Apenas por isso.
- Nem no sonho vocês tinham contato?
- Isso seria um pesadelo. No sonho ela só ficava me observando. Igual quando ela vai lá em casa arrancar dinheiro do pai e eu tenho o infortúnio de aparecer.
- Camille...
- Briggs... - Ele fecha a cara para mim nesse momento.
- Nos meus cálculos sua medicação já está praticamente encerrada, correto?
- Sempre tão bom em matemática!
- Já entendi que hoje não é um dia legal. Não vou te manter aqui por muito mais tempo. Isso é resultado da sua ressaca? - Mark ou Germana? Fico na dúvida entre os dois fofoqueiros.
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DEMONS
RomanceA loucura não é um fator externo. É um pedido de ajuda, um movimento, uma dança que não se faz sozinho, mas o primeiro passo ninguém pode dar por você. Ela parte dos demônios que estão dentro de você, dentro da sua mente, do seu coração.