Smile, I lie to you

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Existem coisas que nós podemos descartar. Uma camiseta antiga, um sapato desgastado, uma fotografia, uma música. Mas, existem coisas que a nossa mente se recusa a excluir da memória. Principalmente sentimentos. Principalmente eles. Porque eles causam dor, sofrimento, angústia, nostalgia, causam sensações que o tempo não apaga, sensações que nós podemos vivenciar por todos os malditos dias da nossa existência miserável.

- Alô, Vivian? - digo quando a minha secretária finalmente atende ao telefone da minha recepção. - Eu vou chegar mais tarde. Meu carro quebrou no meio do caminho e eu precisei chamar um mecânico para consertar o problema que deu no motor.

- Quantas horas?

- Três, no máximo. Avise os meus pacientes.

- Pode deixar. - ela concluiu finalizando a chamada.

Hoje não era o meu dia de sorte. Eu odiava atrasos. Odiava fazer com que os meus pacientes tivessem que esperar. Odiava sair da rotina. Padrões são necessários para que eu consiga controlar o meu estresse, qualquer mínimo detalhe que fuja dessa realidade, é o suficiente para me deixar irritado. Talvez eu tivesse mesmo levantado da cama com o pé esquerdo.

- Ainda falta muito? - questionei para o mecânico que não aparentava ser muito velho.

- Um pouco. - ele respondeu de imediato escorregando pelo chão para sair debaixo do meu automóvel. - O senhor deveria tomar um café do outro lado da pista. O seguro vai cobrir o conserto, não precisa ficar preocupado.

- Certo. - ressaltei esperando alguns minutos para atravessar a rua.

De segunda à sexta, eu precisava fazer o mesmo caminho até o trabalho. No entanto, eu desconhecia tudo o que tinha além das avenidas centrais que eram a minha rota há mais de anos. Mal sabia andar por entre os becos da minha cidade. Mal sabia como me divertir nos finais de semana desde que...

- Um café bem forte, por favor. - pedi para uma garçonete morena que sustentava em suas mãos uma caderneta branca e uma caneta de tinta azul. Ela me parou antes mesmo que eu me sentasse em um dos bancos da lanchonete que o mecânico havia me indicado.

- Apenas isso?

- Sim. Apenas iss... - eu tentei pronunciar quando uma mulher esbarrou em mim. Nossos olhos se encontraram por questões de segundos e eu cogitei de imediato estar ficando louco.

Não poderia ser!

Não poderia ser?

Meu coração começou a bater fora de ritmo e antes que eu tivesse a capacidade de falar alguma palavra, a desconhecida que havia me empurrado para trás, correu. Eu tentei puxá-la pelo braço, mas foi inútil. Ela arrastou a porta da lanchonete com força para conseguir sair e o vento que corria do lado de fora fez o perfume dela chegar até as minhas narinas.

Eu só podia estar alucinando.
Sim, porque ela não era a minha esposa. Não era.
Não era porque a minha Laura estava morta.
E isso era um fato incontestável.

Suspirei fundo e também corri, tentando segui-la. Eu só precisava... Só precisava olhar nos seus olhos mais um pouco para ter certeza de que a única explicação cabível para eu estar andando atrás dela era aquela que incluía a loucura como causadora do meu mais novo delírio.

Eu podia sentir que naquele momento o meu lado lógico, racional e analítico tinha se tornado fumaça. Meus neurônios pareciam estar fritando dentro do cérebro. Eu podia sentir a adrenalina correndo pelas minhas veias, me fazendo ficar sem percepção de espaço, sem percepção do quanto o meu corpo ainda aguentaria atravessar quarteirões imensos em busca de uma criatura que se parecia com a minha Laura.

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⏰ Última atualização: Nov 25, 2015 ⏰

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