Faliza, ainda um pouco atarantada da viagem através do portal que se fechava atrás de si, viu-se num tristonho ambiente arenoso, quase desértico. Aquelas dimensões iam de mal a pior. Se se queixara do cenário rural em que um jovem bruxo lhe dera indicação da existência de um outro viajante preocupado com o destino do Multiverso, mais se lamentava ainda naquele acumular de areia solitária. Lágrimas de quem desanima escorriam pelo rosto desalentado da cientista.
Porém, a falta de movimento e o silêncio perturbador foram passageiros. Um aglomerado de criaturas humanóides estranhas, aparentemente sem conteúdo algum no seu interior, aproximava-se liderado por um daqueles seres que em nada condiziam com a descrição de Yritrius.
- Em frente, Arcas! Contra Eldamon seguiremos! - Berrava o líder, confiante.
- Sim, Ápizer! - Respondeu o grupo em uníssono.
Um verdadeiro exército marchava na direção da cosmóloga. Traziam expressões determinadas, típicas das personagens imortalizadas pela História que mudaram o rumo dos tempos em revoltas. Atrás da cientista, surgira entretanto um homem com cara de poucos amigos. O sobrolho das criaturas revoltosos, se é que tinham sobrolho, tornara-se mais carregado com o aparecimento súbito do indivíduo. Parecia que a mulher estava metida no centro de um campo de batalha. É o que faz querer salvar o Multiverso e ir parar ao sítio errado na hora errada.
- Eldamon, o Grande Senhor dos Senhores da Energia! - Urrou Ápizer.
- Arcas! - Rosnou o outro, com uma fúria tamanha que Faliza nunca vira concentrada numa única pessoa. - Como podeis...
- Olhem, eu não sei o que é que se está a passar, mas será que me podiam ajudar? - Intrometeu-se a mulher, na tentativa de acalmar os ânimos. - Ando à procura de um tal de Yritrius.
Os dois rostos afrontosos ficaram surpresos com a intervenção insolente da cosmóloga. Pelo menos, a atenção de ambos desviara-se para aquela perguntadora descontraída com ar de turista, ainda que forasteiros fossem raros por aquelas paragens.
- Nunca ouvi esse nome. - Confessou por fim Eldamon.
- Tanto quanto sei, ele tem viajado pelos Universos na tentativa de evitar a destruição iminente do Multiverso, tal como eu.
- Viajar entre Universos? Impossível! Eu concentrei toda a galáxia neste planeta uno, depois da Última Guerra.
- Falaste em "evitar a destruição "? - Interrogou um outro homem que se aproximava a medo. - Tens alguma solução?
- Ia-vos fazer a mesma pergunta.
- Eu tenho a resposta! - Interrompeu Eldamon. - Construí os Arcas para abrigarem as consciências humanas. Não haverá mais guerras nem mais sofrimento. A identidade humana, causadora de tanta dor, será apagada para sempre.
- Mas assim não haverá mais Humanidade. Qual o sentido de uma salvação em que a nossa existência perde a essência? Tem de haver uma alternativa.
- Não há.
- Há. - Afirmou Faliza. - Temos de nos guiar pelos caminhos da esperança. Mas visto que Yritrius não está neste Universo, terei de me despedir.
- Ela sim, é a Grande Senhora dos Senhores da Energia. - Sussurrou Rádican, enquanto a cientista desaparecia através de um portal resplandecente.
(500 palavras)
Monte, 2024
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A esperança é a última a morrer
Short Story🥈 2º lugar na Copa dos Contos 2024 (Copa dos Portais) do @ContosLP Diz-se que tudo o que tem um início, tem um fim. E tudo inclui o Multiverso, que se aproxima do seu instante derradeiro. Faliza tem consciência de que o destino final aproxima-se. M...