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A prataria brilhava contra a toalha de mesa de linho branco, as taças de cristal
faiscavam e os pratos de porcelana muito polida eram ricos e belos. Alanna
mudou
o arranjo de flores um centímetro, imaginando se Rolt notaria que eram da
mesma qualidade das de seu buque de noiva. Deu um passo para trás e examinou
a mesa. As
velas, nos candelabros de prata, eram altas e retas; em um balde de gelo, uma
champanhe gelava.
Na cozinha, a sopa esquentava em um réchaud; a salada e a sobremesa
esperavam na geladeira. As bistecas estavam temperadas, podendo ser
terminadas em poucos segundos.
Tudo estava pronto para a chegada de Rolt,
Incluindo ela mesma. Alanna tinha flutuado numa nuvem cor-derosa o dia inteiro.
Nesta noite, estava usando um vestido cor de alfazema, de chiffon
transparente, com
um decote bastante profundo. Ele a fazia sentir-se etérea e feminina, além de
excitante e atraente. Cheia de felicidade, dirigiu-se para a porta de vidro, de
correr,  que dava para o pátio, e franziu a testa impaciente para o sol que se punha.
- Por favor, desapareça logo esta noite - Alanna pediu, com ansiedade. - Não
podemos ter um jantar romântico, à luz de velas, se você continuar a brilhar.
Um carro parou em frente da casa e ela virou-se com vivacidade para o enorme
hall que ligava a sala de jantar com a de visitas, esperando com a respiração
suspensa.
A porta da frente se abriu.

- Alanna? - A voz de Rolt exigia uma resposta. - Eu. . . eu estou aqui. - A onda de
felicidade que a invadiu quase a deixou sem voz. Não correu para encontrá-lo.
Queria que ele Entrasse na sala de jantar e visse os preparativos que tinha
feito, para a noite deles.
Os passos longos de Rolt o trouxeram até ela, e seu sorriso de boas-vindas
congelou-se em seus lábios, ao ver a frieza da expressão dele. O olhar do marido
percorreu
a mesa, detendo-se friamente nela.
- O que é isso? Uma celebração de vitória? - ele acusou. Alanna moveu a cabeça,
sem acreditar. Este não era o mesmo homem que tinha saído de casa pela manhã,
ou
melhor, ao meio-dia.
- Não sei por que está falando isso - respondeu, insegura.
- Não sabe? - Rolt disse, com ironia. Alanna estremeceu, pois havia pensando que
nunca mais veria sua áspera zombaria. - Kurt faltou ao nosso encontro desta
tarde.
Ela olhou para ele sem compreender.
- Não estou entendendo.
- É mesmo? - Rolt replicou, com total desprezo pela expressão confusa dela. -
Ele deixou um recado com a minha secretária, dizendo que não poderia, de jeito
algum,
ir para lá. Esta foi, exatamente, a frase que ele empregou: não poderia, de jeito
algum, estar lá. - A repetição da frase fez com que Alanna se lembrasse de que
Rolt havia usado a mesma expressão, naquela manhã. A implicação daquilo
assustou-a. - Foi uma vingança perfeita do meu irmão, não foi?

- Que está dizendo? - Alanna perguntou baixinho, sem acreditar no que ouvia.
- O que é que há? - Os lábios dele curvaram-se com ironia.
- Não sabia que meu irmãozinho já havia me revelado o segredo de vocês? Estava
esperando para me contar esta noite?
- Você não sabe o que está falando!
- Não? - Rolt virou-se de lado, como se não pudesse suportar olhá-la. Do mesmo
modo abrupto, encarou-a, zangado. - Você me enganou completamente. Nunca
pensei, por
um só instante, que seria capaz de me deixar esta manhã e ir ao encontro de
Kurt à tarde. E você sabia disso, também.
- Eu não fui me encontrar com Kurt. - Alanna protestou.
Ele arqueou arrogantemente uma sobrancelha escura, por sobre seu olhar cor de
índigo, cheio de desprezo.

- Onde você foi esta tarde, Alanna? Liguei para cá e ninguém atendeu. Você
também não estava na casa de seus pais.
- Fui até a cidade... - fez um gesto desesperado na direção da garrafa de
champanhe - para comprar champanhe para o nosso jantar desta noite.
- E, por pura coincidência, você estava fora no mesmo horário em que Kurt não
podia, de modo algum, estar lá. Certo? - Um músculo saltava violentamente em
sua mandíbula.
- Acontece que esta é a verdade. Eu fui até a cidade, comprei a champanhe e
voltei direto para casa, sem encontrar ninguém. Lágrimas amargas queimavam
seus olhos.
- Espera que eu acredite nisso?
Alanna enterrou os dentes no lábio inferior, por um doloroso segundo.
- Não espero nada!
Sua voz saiu sufocada. Ela sabia que não poderia suportar aquela ironia mordaz,
sem se desmanchar em lágrimas. Começou a correr para fora da sala, mas Rolt
interrompeu
sua fuga, agarrando-a pelo braço e fazendo com que se voltasse para ele com
violência.
- É capaz de negar que esta não foi a primeira vez que se encontrou com Kurt,
Se ele tivesse dito aquilo de um modo menos autoritário, Alanna teria admitido
que não estava interessada em Kurt. Mas a ordem a deixou fora de si.
- E você acha que vai me impedir? Como? Me trancando aqui dentro? Colocando
guardas na porta, como em uma prisão? Eu daria um jeito de escapar, nem que
fosse só
para espicaçá-lo. Ninguém me diz o que fazer! Não aceito ordens de ninguém! -
Alanna jogou-lhe no rosto, num acesso de zanga. - Verei "quem" eu quiser,
"onde'" e
"quando" eu quiser. . . e você não vai me impedir.
- Você jurou uma vez que ia tornar minha vida miserável. Na época achei
divertido, mas acho que a subestimei. - A calma na voz dele era mais ameaçadora
do que se
tivesse gritado. - Você é mais astuta e falsa do que eu pensei. Mas é minha
esposa,
Alanna. Se tentar ver Kurt de novo, e eu descobrir, vai ter que arcar com as
consequências.
- E que consequências poderiam ser piores do que as que já estou tendo que
suportar? - Lágrimas de dor e ódio brilhavam nos olhos dela. - Não tenho o
monopólio de
fazer vidas miseráveis. Você se tornou dono desse privilégio quando destruiu
meu relacionamento com Kurt, fazendo chantagem comigo para que eu me
casasse com você!
Quanto a ser sua esposa, isso é algo que pode ser
mudado. E eu vou mudar isso, Rolt. Nada pode me fazer continuar casada com
você.
- Nada? - ele respondeu, com suavidade. - Esqueceu-se de seu pai e de sua mãe?
O dia que você pedir o divórcio, deixo de sustentá-los.
- Meu pai vai ter que pagar pelos seus próprios erros, como eu estou pagando
pelos meus. - Alanna respondeu sem hesitar. E casar com você foi o maior erro
de minha
vida.
- Eu vou lutar contra você, Alanna. Você não vai se divorciar de mim para casar
com meu irmão - Rolt avisou.
- Não vou me casar com Kurt. - Ela fez um movimento curto com a cabeça,
negando. - Não quero ter mais nada a ver com homens. Ninguém do seu sexo vale
a dor que causa.
Existe algo muito irónico nesta situação. - Ela sorriu com amargura. - Quando
Kurt me acusou falsamente de estar tendo um caso com você, eu o acusei de
estar manipulando
as coisas para conseguir o que queria. Agora você está me acusando de ver Kurt,
uma acusação tão falsa quanto a dele era. Desta vez, só posso culpar a mim
mesma,
pois não sabia nada sobre os homens. Mas você me ensinou, Rolt. E muito bem!
Começou a andar, louca de vontade de sair dali, mas ele bloqueou seu caminho.
Alanna levantou o olhar brilhante e frio para Rolt, e ficou surpresa com a
expressão
de animal ferido, sofrendo dor intensa, que viu nos olhos azuis escuros dele.
Imediatamente o olhar de Rolt endureceu, ficando da cor do aço.
- Onde pensa que vai? - desafiou-a.
Por um instante, Alanna pensou ter visto nos olhos magoados a mesma dor que
estava sentindo. Mas viu logo que era amor-próprio ferido, aquele odioso orgulho
masculino,
frágil demais para suportar uma rejeição.
- Já lhe disse. Estou indo embora - declarou, com ênfase. Estou deixando esta
casa. Deixando este casamento. Deixando você.
- Oque mais quer que eu faça? - O queixo dele tremia convulsivamente. - Quer
que eu me ajoelhe e implore para você ficar? Rasteje na sua frente? É isso que
está
querendo? Quer me ver rastejando aos seus pés, para que seu triunfo possa ser
completo?
- Seria algo digno de se ver: o gigante de Mesabi aos meus pés!
- Alanna riu entre lágrimas, cheia de amargura.
- Saber que pode fazer com que eu me ajoelhe aos seus pés lhe dá alguma
satisfação? - Rolt perguntou asperamente.

- Absolutamente nenhuma. - Não quando era o orgulho que o estava levando a fazer aquilo.
- Nada do que eu diga ou faça vai tornar as coisas diferentes, não é?
- Existe algo que eu gostaria de saber. - O queixo de Alanna tremia, mas o
orgulho a fez manter um olhar de indiferença. -
Você sabia, antes daquela cena de sedução ontem à noite, que eu tinha me
encontrado com Kurt à tarde?
- Sabia.
Alanna tinha se preparado para a resposta afirmativa, mas não pôde evitar de se
encolher, como se a voz dele, dura e implacável, a tivesse atingido fisicamente.
Uma lágrima ardente deslizou pelo seu rosto.
- Mas que tola eu fui! - falou baixinho, cheia de dor. - Você fez amor comigo
porque estava com medo de que Kurt tirasse minha virgindade antes de você.
Nunca pensei
que o amor pudesse ser uma emoção tão humilhante.
- Amor! - Rolt agarrou seus ombros e sacudiu-a com violência.
- Você não sabe nada sobre o amor! - Ele puxou-a até que ficasse a apenas alguns
centímetros de seu rosto, na ponta dos pés.
- Você sabe o que foi ficar sentado nesta casa, todas aquelas semanas, sabendo
que você estava fora com Kurt, imaginando-a nos braços dele, beijando-o? Tem
alguma
ideia do que eu sentia, vendo o desgosto em seus olhos todas as vezes que olhava
para mim? Amor. . .
- Rolt pronunciou a palavra de um modo rouco, com os olhos escuros de mágoa
examinando o rosto dela.
Alanna estava atónita, certa de que seus ouvidos a estavam enganando.
- A primeira vez que eu vi a filha adolescente de Dorian Powell, fiquei fascinado
por ela. Quando você se transformou numa mulher, não pude evitar de amá-la.
Ainda
não posso. Eu forcei você a se casar comigo: trapaceei, chantageei e manipulei.
Acho que teria feito qualquer coisa para ter você como minha esposa. Está
certo,
eu não fui justo. Mas quem disse que a vida é justa? Pensei que, com o tempo,
poderia fazer com que me amasse. Ontem à noite... - Ele balançou a cabeça e soltou-a,
sem terminar a frase. - E hoje você foi se encontrar com Kurt.
Sem saber como, Alanna conseguiu achar sua voz.
- Mas eu não me encontrei com Kurt.
- Alanna, não minta para mim - disse, respirando pesadamente.
- Eu não estou mentindo. Você está? - ela sussurrou. Rolt franziu a testa,
confuso.
- Mentindo sobre o quê?
- Você... me ama? - Ela teve que parar para engolir a saliva que o nervosismo
tinha acumulado em sua garganta.
- Mas não é isso que estive dizendo o tempo todo? - Sua expressão era
carregada de dor. - Eu amo você, Alanna.
A declaração não foi acompanhada por discursos empolados. No entanto, sua
extrema simplicidade era mais emocionante que qualquer outra coisa.
- E eu amo você também, Rolt. - Vendo seu olhar descrente e cheio de dor,
Alanna apressou-se em explicar melhor. - Desde a noite de nosso casamento que
venho lutando
para não me apaixonar por você, tentando me convencer de que era só atração
física. Mas não tive sucesso. A única razão que me levou a encontrar Kurt,
ontem, foi
que eu queria ter certeza de que amava você. Não tenho mais certeza de ter
amado Kurt algum dia. Só sei que não o amo. Ele é agradável e eu gosto dele, mas
é você
que eu amo.
Ele semicerrou os olhos, pensativo e cauteloso.
- Hoje...
- Hoje eu fui até a cidade, comprei champanhe e voltei direto para casa. - Alanna
repetiu a explicação que dera antes. - Não vi Kurt. Estava muito ansiosa para
voltar
e preparar nosso jantar desta noite. Este devia ser o primeiro jantar que
teríamos como marido e mulher, uma segunda noite de núpcias, com luz de velas,
champanhe
e flores. Porque eu o amo.

Ele a tomou nos braços, esmagando-a de encontro a ele, enterrando o rosto nos
cabelos cor de âmbar escuro. As mãos dela o rodearam instintivamente, e Alanna
sentiu-o
estremecer.
- Já é bastante você pensar que me ama - ele murmurou, com voz rouca. - Me dê
uma chance de compensar você por tudo que fiz. Mas não me deixe, Alanna, não
me deixe.
- Não o deixarei nunca - murmurou, numa promessa.
Rolt envolveu seu rosto com as mãos, e seu olhar penetrante prendeu os olhos
brilhantes dela.
- Nunca é um tempo muito longo - ele disse, com um pouco de crueldade,
lembrando a antiga frase.
Nunca - Alanna repetiu a promessa.
O grito abafado de um pássaro ecoou sobre as águas paradas do lago. O sol
piscou e sorriu para a mesa vazia da sala de jantar. Ele sabia que não precisava
ter pressa
para se esconder atrás do horizonte. Muito tempo se passaria antes que alguém
pensasse em acender as velas.
Fim



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⏰ Última atualização: May 05 ⏰

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