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Urrea

Tudo parecia estranho hoje.

Josh me olhava e não conseguia parar de rir.

Não sei o que devo ter feito mas parece bem engraçado.

O ensaio estava tanto quanto caótico. Ninguém conseguia olhar para a cara de ninguém.

Não lembro de quase nada da noite passada, só lembro de ir pro quarto com uma mulher bonita.

Sina conseguiu errar muitas notas do teclado em uma música só toda vez que eu a olhava, ela parecia aflita.

— O que deu em vocês hoje? — perguntei numa boa.

— N-nada. — disseram em uníssono.

Tirei a correia da guitarra e sai do ensaio.

Sou nem palhaço pra aguentar essas coisas, se tem algo de errado, eu gosto que me digam.

Me sentei na calçada e abri um dos meus chicletes colocando-o na boca.

Senti alguém atrás de mim e já até sabia quem era.

— Só me diga o que está acontecendo. Que inferno!

Sina se sentou do meu lado e não disse nada.

Ela apenas estalava todos os dedos das mãos de todas as formas possíveis. Fazendo eu ficar ainda mais irritado.

— Dá pra você parar de ser um pesadelo de TDAH e ser adulta uma vez na vida? — eu gritei com ela e umas senhorinhas da rua viram.

Merda.

Merda. Droga. Merda.

Ela tentou levantar e eu a puxei para o chão novamente.

— Me larga! — foi a vez dela gritar. — Você era o único que não havia me chamado de louca por conta dessa merda.

Só faço merda.

Quero morrer.

— Foi mal, bem. — eu disse e ela respirou fundo.

Ela tirou minha mão de seu pulso mas permaneceu sentada.

— Que merda eu fiz ontem? — perguntei. — Só lembro de ter ido pro quarto com uma mulher bonita, só.

Ela sorriu como se estivesse desacreditando.

— O que fo...

— Fui eu. — ela disse. — Eu que te levei pro quarto.

Aí meu caralho.

Não acredito nisso.

Acho que a minha cara foi tão estranha ao ponto de bugar a mente de Sina, já que ela estava vermelha.

— NÃO ASSIM. — ela se corrigiu me deixando mais tranquilo. — Você estava muito bebado então te levei para o seu quarto, você vomitou em mim e também disse que amava "o pesadelo de TDAH" — ela disse fazendo aspas com as mãos e eu gelei.

Que diabos eu havia feito.

— Eu sei que quando ficamos bebados dizemos idiotices mas tudo bem, fique tranquilo. — ela disse mas parecia que ela dizia aquilo para ela mesma.

Eu a olhei por um tempo e então percebi o quanto ela parecia nervosa.

Eu poderia dizer a verdade, mas acho que não seria o que eu queria, jamais gostaria de estragar o que nós temos, tanto como amigos quanto cantores.

— Verdade. — apenas concordei. — Obrigado e desculpa.

Ela me abraçou e eu senti seu cheirinho gostoso.

Levantei e voltamos ao ensaio.

[...]

Josh e eu arrumávamos a garagem, recolhendo as embalagens dos milkshakes que havíamos tomado.

— Ela sabe que você é afim dela, tá na cara. — Josh disse e eu gelei.

— Não pretendo contar tão cedo, eu queria, mas acho meio desesperadora a ideia de ser dispensado por uma pessoa que olho na cara todo dia. — confessei.

Permanecemos em silêncio arrumando as coisas na garagem e antes de sairmos ele disse:

— Você nunca parou para pensar que o seu "não tão cedo" pode se tornar um "foi muito tarde"?

Dirigi pensando nisso, e eu comecei a ficar desesperado com a ideia dela arrumar outro alguém.

Fiquei solteiro pensando nela, namorei sem saber que pensava nela e agora estou solteiro outra vez e pensando nela.

Bati na porta do seu quarto roendo toda a minha mão.

Ela abriu apenas de toalha e sorriu pra mim.

— O que hou... — segurei seu rosto o aproximando do meu e ela ficou intacta.

Senti sua respiração ofegante próximo de mim. Eu poderia beija-la mas não faria, não aqui, não agora.

Ela saiu do transe se afastando segurando a sua toalha e eu gelei dos pés até a cabeça.

— Não podemos. — ela disse e eu franzi meu cenho. — Você só quer transar com qualquer uma pra esquecer seu antigo relacionamento, não sou tão imbecil de topar uma coisa dessas. Sou mais que uma tapa buracos.

Eu a olhei inacreditado.

— Meus pensamentos intrusivos estão me dizendo pra te beijar, já que no fundo você quer também. — comecei. — Mas minha parte racional sabe que eu namorei uma mulher legal para superar o fato de que nunca poderia ter o fenômeno de mulher que você é e que tenho que lidar com isso.

Ela me olhou um tempo e se aproximou de mim.

— Se você acha mesmo que eu seja tão fenomenal assim. — ela olhou algo no celular, mas sabia que ela tinha feito isso pra disfarçar as lágrimas. — Me prove que eu não fui apenas uma segunda opção esse tempo todo. — os olhos estavam marejados como se ela nem pudesse enxergar.

Por que ela não enxerga que eu a quero?

— Não aceito te perder, não quero perder o que nós temos, para mim é algo real, não acredito que você não sente nem um terço do que eu sinto por você. — eu realmente estava em choque. Como eu pude criar sentimentos sozinho?

Ela se aproximou da minha bochecha e depositou uma beijo ali.

— Eu também sinto, aliás sempre senti, só não posso fazer isso nem com você e nem comigo, não seria justo. — a primeira lágrima escorreu. — Me prove que eu estou errada, por favor.

Suplicou e fechou a porta.

Na minha cara.

Intrusive thoughts | noart Onde histórias criam vida. Descubra agora