(3)....a tua personalidade;

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Se há coisa que eu odiava, antes, era a tua personalidade mesquinha.

Uma pessoa que sempre se fez mais do que os outros, todos os seus projetos tinham de estar impecáveis, o típico perfeccionista. As suas roupas tinham de ser bem conjugadas com os seus acessórios e os seus cabelos, os perfumes adequados a cada ocasião — vaidade. Como referenciei antes, a voz aguçada e que nunca deixava o ambiente também fazia parte da personalidade do loiro.

Todos nós somos complicados, mas o nível de complicação do Kaveh não está disponível para descrição, não existem argumentos. Tudo lhe irrita, quando não está da forma que quer; estressa-se rapidamente com tudo e se não tiver o seu café, ele revira a cidade para ir buscar café — isso depois de me insultar por não ter comprado café (PS. eu nem bebo).

Quando os projetos não correm como ele espera, ele sai do quarto e fica andando de um lado para o outro, resmungando que nada lhe dá certo. Senta-se, bate o pé, levanta-se, respira fundo, insulta-se e começa neste ciclo até chorar. Na parte do choro ele já sai clamando o meu nome com desespero.

Nos primeiros tempos, eu estranhei aquelas atitudes todas, mas com o habituar-me, quando ele já estava a deambular de um lado para o outro, eu próprio já me aproximava dele para o acalmar antes do choro.

Esse lado sensível do moço eu sei que vem do seu lado artístico. Afinal de contas, o seu estilo artístico favorito é o romântico, onde a perfeição predomina… Já se torna um reflexo da sua própria personalidade.

Ver um filme com ele, torna-se impossível; o cão morre, ele chora, o homem vai embora de casa, ele chora, a árvore é derrubada, ele chora, o filme nem começou… Ele chora. Sensibilidade seria um ponto da sua personalidade extremamente importante.

“Ain, Haitham, tu és um coração de pedra, és chato”, disse-me ele umas quantas vezes. Eu simplesmente limito-me a ignorar, mas no meu interior só me apetece rir.

Esse nosso antagonismo é algo que eu realmente amo na nossa relação e, muito honestamente, não sei se estaria pronto para arranjar alguém que não fosse o Kaveh — depois ele diz que eu tenho um coração de pedra, tsc, calúnias.

O seu ciúme também é algo interessante… Algo bem marcado desde sempre. Na verdade, ele só confessou os seus sentimentos por mim porque estava com ciúmes. Se havia coisa que o loirinho não gostava, era que eu ignorasse a sua existência e desse atenção para os outros enquanto isso.

Ele ficava todo emburrado, com uma expressão séria (parecia eu), soprando aleatoriamente o ar ou mexendo nas unhas. Volta e meia, batia o pé e cruzava os braços, agarrava até nos meus livros para ler — não, mas isto era cómico, é preciso ressaltar isto: ele abria o índice, erguia as sobrancelhas, respirava fundo, abria uma página aleatória e eu via os olhos dele ir e voltar no mesmo espaço da folha… Sim, eu arrisco-me a dizer que ele nunca passou da primeira linha.

E quando eu o abordava durante os seus ataques de ciúmes? O gelo que eu não recebia.

As palavras tornavam-se agulhas, os seus olhos secos e sem brilho, o seu comportamento todo arisco… Ah! E ele ainda dizia quando eu lhe perguntava algo “Hmmm, não sei. Acho que fulano deve saber. Vai perguntar a ele” — eu limitava-me a sorrir e a dar atenção para o loiro… Quer dizer, às vezes, eu gostava desse seu ciúme todo, sou um pouco culpado por provocar ciúmes de propósito.

Estes detalhes de quando ele estava aborrecido, incomodado ou irritado, eram as coisas mais adoráveis dele. A própria expressão facial dele era fofa. Cenho franzido, lábios num biquinho, um leve rubor nas bochechas, olhos carrancudos…

Se o pudesse beijar todas as vezes que o vi assim, aiai.

Isso é outro traço dele, a fofura e a sua carência. Eu sou uma pessoa que não é muito convidativa ao toque físico e a demonstração contínua de afeto, mas o Kaveh? O Kaveh mudou tudo isso com a sua necessidade afetiva. “Haitham, eu quero carinho”, “Haitham, faz-me cafuné”, “Haitham, tu já não me amas?” — e dou por mim, neste momento, a rir ao lembrar-me disto. Ele é um gatinho carente.

Nas noites mais frias de Sumeru, quando ele vinha cansado do trabalho, ele vinha caladinho até mim e abraçava o meu braço, enfiando a cabeça no meu pescoço. Nas primeiras vezes, eu nem mexia com ele (e ele acabava por adormecer), mas com o tempo, cedi o meu espaço pessoal para o abraçar e aquecer — e eu jurava que ele quase ronronava.

Ele tem essa mania também, de ficar coladinho a mim quando não tem mais nada que fazer. E mesmo quando tem, ele faz questão de que eu esteja na presença dele para ele não estar sozinho. Quando eu estou a fazer o jantar, ele está tipo carrapato em mim também. Literalmente uma pessoa muito afetiva.

Kaveh também não é ele sem a sua teimosia.

Oh, arcontes, se há algo que esse homem tem em excesso é a teimosia e esse era um ponto pelo qual às vezes nos desentendemos.

Enquanto eu lhe tentava mostrar a realidade, ser o lado racional, às vezes ele simplesmente se levava pela sua convicção, pela sua emoção e nada lhe fazia mudar a sua opinião. Depois, quando a vida lhe ensinava da pior maneira a ser racional, lá vinha ele ter comigo, como um gatinho carente (novamente, sim), dizer que eu tinha razão.

Eu sei, eu tenho sempre, ou quase sempre, razão.

Já fiquei muito desconfortável com tais coisas, já cheguei a discutir com ele sobre isso, mas quando ele mudou ligeiramente, eu percebi que aquilo não seria o Kaveh, não seria a pessoa pela qual eu me apaixonei.

Kaveh não é Kaveh sem o seu dramatismo porque caiu molho na sua roupa favorita ou porque o vento desmanchou o seu cabelo.

Kaveh não é Kaveh sem alinhar os quadros ao mísero centímetro.

Kaveh não é Kaveh sem a sua carência e os seus ciúmes.

E eu, Alhaitham, não sou eu sem ele.

Não ter o loiro com toda a sua complexidade em torno de mim é estranho. Uma vez mais, o sentimento de vazio.

Não tenho ele a tagarelar, não o tenho a andar stressado por causa do café, não o tenho a pedir-me ajuda com a roupa…

Não o tenho simplesmente.

Neste exato momento, está ele com outros… Outros que estão a lidar com a sua complexidade e sua personalidade perfeccionista no trabalho.

Outros.

Neste momento estão outros com o meu namorado…

Okay, talvez agora o chato da relação seja eu, mas em minha defesa, a culpa é do Kaveh por ser tão “perfeitinho” e me fazer uma falta tão grande.

De uma coisa eu não tenho dúvidas: foi pela personalidade dele que me apaixonei, por ser o meu oposto e por ser tão complexo e interessante.

Ai, como eu daria de tudo para estar com o gato carente abraçado ao meu braço.

Tenho saudades daquele loiro irritante e apaixonante.

10 razões porque te odeio || HaikavehOnde histórias criam vida. Descubra agora