Capítulo 2, Descendentes;

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Scarlett


É início de primavera e o gelo lentamente derrete. E, sinceramente, deveria ter me lembrado disso antes de ficar parada em qualquer canto.

— Urr... - Arrepiei-me e gemi com o punhado de neve que escorregou de um galho seco para dentro do meu casaco.

Imediatamente pus o capuz verde sob a cabeça, com uma certa dificuldade por conta do volume do cabelo, e segui em frente, me esgueirando entre as pessoas ocupadas, tão silenciosamente quanto podia e vinha sendo treinada.

Até então, tinha vagado pelas ruas movimentadas da aldeia e até subido em algumas árvores à procura de sinais de rostos conhecidos.

Só podia os ver duas ou três vezes por ano, mas lembrava que eles – dois irmãos – tornaram minhas visitas um dos momentos mais esperados por mim ao longo das estações.

Era bom poder dar uma pausa da minha ilha. Das regras de minha mãe e das demais coisas que ela significava.

Brincávamos, comíamos e dormiamos juntos. Não nos separávamos nem por um minuto sequer até o momento de me despedir, o que, se fosse por mim, nunca aconteceria.

A verdade é que eu gostaria de morar em Nova Berk, de ser um deles, de ser como eles e, às vezes, ter os pais deles…

Escorei-me em uma parede para deixar uma carroça passar quando ouvi, saindo de um beco que se fazia ao lado, as duas vozes que tanto queria ouvir.

Não tardei em enfiar a cabeça na direção do beco para confirmar. Vi duas pontas diferentes de cabelo, um loiro e um castanho, ambos atrás de uma pilha de barris empilhados.

Estreitei os olhos, sorrindo de orelha a orelha, tentando fazer o mínimo de barulho possível enquanto me aproximava nas pontas dos pés. Não resisti à ideia de um bom susto. E quando cheguei perto o suficiente, fiz:

— Bu! - Cutucando o pobre garoto do outro lado pelas frestas da pilha.

Ele pulou e gritou, o que me fez gargalhar. Gostava de o provocar tanto quanto gostava de seus cabelos loiros, semelhantes aos da minha mãe, porém, desgrenhados e macis.

Subi em um dos barris e me sentei vitoriosa, com uma pena dobrada e a outra estirada. O capuz caindo para trás. — Felizes em me ver?

— No momento, não muito. - Disse Nuffink, se recompondo com as mãos apoiadas na cintura.

Provavelmente, querendo passar o efeito de intimidação do qual sabíamos que não tinha. Ainda assim, era divertido vê-lo tentar me repreender com o olhar.

Já a menina de cabelos castanhos ao seu lado, Zephyr, permaneceu com os braços cruzados todo o tempo. Diferente do irmão, ela não pulou ou gritou. Mas notei que revirou os olhos assim que me viu.

Não éramos as melhores amigas. Na verdade, nossa relação era mais uma “rivalidade amigável”. Ou, segundo nossas brincadeiras, inimigas que acabaram irmãs de batalha.

— Scarlett. - Pronunciou com um tom de impaciência. — Você chegou. Infelizmente, não temos tempo para brincar com você hoje. - Ela levantou o nariz ao dizer.

Desci dos barris com um pulo. — Ah, claro… - Fingi concordar, a cutucando com o ombro.
— Já sei, quer ser a fera hoje, não é? É, Nuffink faz um péssimo Morte Rubra mesmo... - Dei de ombros.

— Ouh! - Exclamou ofendido.

— Estou falando sério dessa vez, Scar. Não vamos brincar hoje.

Meu sorriso murchou aos poucos, percebendo que ela falava a verdade. — E o que vão fazer? - Perguntei. Foi então que notei que Nuffink tentava esconder um saco atrás de si. - O que é isso? - Apontei.

Tentei me aproximar, mas fui impedida por Zephyr. — Nada! Vamos, Nuffink. - Ela puxou o irmão pelo pulso e os dois correram para longe.

Apenas Nuffink, que deu de ombros enquanto era arrastado, olhou para trás antes de ambos me deixarem. Sua expressão pedia desculpa por não me incluir no… Seja lá no que estivessem fazendo.

Senti que algo de muito errado estava acontecendo e os segui furtivamente pela aldeia, escondendo-me sempre que um deles verificava a retaguarda.

Pelo comportamento estranho, com certeza aprontavam alguma. E eu iria descobrir o que. Se não para dedurar, para fazer parte do segredo.

Poucos minutos mais tarde, após alguns rodeios, os dois finalmente pararam ao lado de uma barraca de peixe numa praça aberta, o que me forçou a entrar em uma das estruturas mais próximas para me manter escondida.

Lá, os observei por alguns instantes. Mas a vila estava cheia demais por conta da reunião de líderes e minha visão era constantemente bloqueada por trausentes.

— Xô! - Tentei em vão afastar alguém da minha frente. Se em um momento, vi os irmãos Haddock, ambos enchendo o saco que Nuffink carregava com peixe da barraquinha, no outro, já havia os perdido completamente de vista.

— Enguias! - Praguejei, logo voltando para a procura dos dois.

O Domínio dos HíbridosOnde histórias criam vida. Descubra agora