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Na primavera de 2018, eu e o Marco resolvemos fazer uma viagem no verão. Só os dois, sem crianças. Havia muito tempo que não passeávamos sem os levar a reboque, com a sua constante intromissão que nos roubava espaço, com todas as suas exigências que nos deixavam exaustos. Adorávamos viajar com os nossos filhos, mostrar-lhes coisas novas, introduzi-los a atividades diferentes, levá-los a restaurantes, ensinar-lhes pequenas histórias relacionadas com os sítios visitados, mas havia algum tempo que eu e o Marco tínhamos a necessidade de estarmos sozinhos, aliviarmos a carga da rotina diária, namorarmos e fazermos amor sem a preocupação de disfarçar ou esconder os nossos gestos de carinho ou atitudes mais ousadas.

Por isso, programámos uma viagem só para nós, apontámos para o mês de julho. A minha sogra aprovou os nossos planos e predispôs-se imediatamente a ficar com os netos, só o André dava um pouco mais de trabalho, a Eva e a Ana eram independentes com dezassete e quase catorze anos.

Estivemos a consultar os destinos mais em voga na internet, numa noite, em que eu me sentava no colo do Marco e ele ia manuseando o rato do computador. Não queríamos um país muito longínquo, que implicasse muitas horas de voo e adaptação ao jet lag, nem queríamos um local demasiado perto, como Espanha, ou numa região do país que ainda não conhecíamos. Decidimos que o mais seguro seria ficarmos pela Europa. Também não desejávamos ficar muitos dias fora, cinco, no máximo uma semana, seria o suficiente para nos retemperar o ânimo.

Ao aperceber-me de uma publicidade bastante apelativa, sugeri a Rússia. Iria acontecer aí a nova edição do mundial de futebol. Portugal estava apurado, a Argentina também. Novamente Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Outra oportunidade para qualquer um deles ser campeão, ser excecional, quebrar marcas, aumentar o seu registo estatístico, mostrar o seu talento, ultrapassar o rival, trazer a glória ao seu país.

O Marco negou imediatamente. Não, a Rússia, nem pensar. Estaria muita gente nesse país, os preços eram altos, o trajeto de avião levaria mais horas do que aquelas que tínhamos estabelecido como razoáveis, não se queria meter em estádios de futebol, nem em multidões de adeptos, nem andar a correr atrás dos jogos da seleção. Cruzei os braços, discuti que me parecia uma boa opção porque seria um passeio e tinha o bónus de ter futebol. Respondeu-me que já tínhamos feito isso, nos Estados Unidos da América, em 1994. Portugal não estivera nesse mundial, argumentei agastada. Mas esteve o Brasil e corremos atrás do Brasil. Fim da discussão.

Irritei-me. Pelos vistos, o Marco não tinha gostado da nossa viagem aos Estados Unidos porque tivera, precisamente, esse aborrecimento chamado futebol. Fingira muito bem, na altura, pensei com um desdém azedo. Também para mim fora aborrecido ter ido àqueles encontros com parceiros de negócios, homens descarados que me elogiavam as pernas e me olhavam para o decote, tratar dos assuntos das empresas do paizinho. Em poucos segundos, dentro da minha cabeça, fiz a discussão e encerrei-a. Soprei para o ar, concordei, encolhi os ombros. A Rússia estava riscada da lista.

Quatro anos antes, tinha acontecido o mundial no Brasil. Portugal fora uma desilusão. Caíra na fase de grupos, o seu jogo inaugural frente à Alemanha saldou-se por uns desnorteantes quatro a zero, Cristiano Ronaldo saiu debaixo das críticas ferozmente jocosas da cáustica imprensa brasileira. Por isso, foi com um especial prazer que assisti ao descalabro do escrete frente a esses mesmos alemães que os cilindraram por uns escandalosos sete a um na partida da meia-final. Em casa, no Maracanã. Perante as lágrimas e a fúria de um público mergulhado num silêncio traumatizado. Achei excelente, achei magnífico. A vingança servia-se gelada e traguei aquele prato com uma malícia satisfeita e sombria.

Voltei a torcer pela Alemanha na final que defrontava a Argentina de Messi. Diego estava nas bancadas e foi um festival. Tiveram que o segurar, senão despencava-se lá de cima, quando se debruçou, a mostrar o dedo do meio, furioso com o resultado final de um a zero, golo marcado no prolongamento, a favor dos alemães que assim se tornaram merecidamente campeões. Os teutónicos demonstraram ser a equipa mais forte do torneio, com resultados que não deixavam qualquer dúvida em relação à sua superioridade, a todos os níveis. Pedi desculpa a Diego pela minha alegria, mas era o Messi, que não podia ser campeão antes de Cristiano Ronaldo. Simplesmente... não podia. Mesmo assim, a FIFA atribuiu-lhe o prémio de melhor jogador do torneio. Ele apareceu na televisão estupefacto e, como era alguém que não sabia muito bem exteriorizar emoções, tinha sempre aquele ar de belfo – ao contrário de Diego que não se coibia de explodir em fogo-de-artifício ruidoso e colorido –, não soube dizer se o Messi estava espantado pela derrota, se pela distinção.

Desertos VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora