Eu odeio ser o tipo de pessoa que se sente mal por qualquer coisa que falam. Me sinto meio egoísta por fazer ele passar por isso, ele me ajudou, ele não me suporta mas me ajudou e eu estou fazendo ele perder mais ainda o tempo dele. Eu queria não ser tão ingênua.
Não sei a quanto tempo eu estou aqui mas sei que já desmaiei várias vezes e já acordei com algumas enfermeiras vindo aqui e trocando alguns medicamentos. Talvez não tenha passado um dia mas quando olho lá para fora através da porta de vidro, vejo o Serafim, sentado em uma cadeira com as mãos apoiadas nos joelhos e a cabeça baixa. Será que ele está dormindo? Eu não sei, mas sei que está com um enorme ódio de mim. Focada em meus pensamentos eu nem vejo um enfermeira entrar e ficar de pé ao meu lado da cama.
— Hécate, você sabe que tem que comer não é? O seu amigo está aqui faz horas por causa de você, por que você não come?— Ela tenta parecer simpática e compreensiva mas acho que na verdade só está cansada e quer terminar o seu trabalho.
— Eu sinto muito que você e ele tenham que passar por isso por minha culpa, mas...eu não posso, me desculpe mesmo mas eu não posso, diga para ele ir embora e não se preocupar comigo, por favor.— Tento a convencer mas não consigo.
—Querida, não sei se sabe mas aqui no internato nos temos uma regra para os alunos que vem para a enfermaria. Se você vier acompanhada de alguém, então essa pessoa tem que ficar aqui até você sair, é uma regra criada pelo fundador para que os alunos não se sintam sozinhos quando estiverem doentes, então eu peço que por favor, coma, não porque estou pedindo mas porque o seu amigo não merece passar tanto tempo aqui por causa disso. Eu não sei o motivo para você não querer comer e nem vou perguntar porque sei que não vai me dizer mas eu vi você desmaiar muitas vezes, o seu corpo está bem hidratado mas você precisa comer, isso não te faz bem e você sabe disso, menina.— Cada palavra me faz pensar muito, eu estou sendo tão idiota e ingrata, eu sei que vou estar me contrariando mas preciso fazer isso para pelo menos sair daqui e me livrar dessas pessoas insistindo para que eu faça algo que não quero.
— Está bem, eu vou comer, mas só para que ele possa ir embora.— Digo de uma vez e ela sai rápida para pegar a comida.
Olho novamente para a porta de vidro e vejo Serafim me olhando, o que ele está pensando? Será que está me julgando de novo? Me xingando? Ele tem bons motivos para fazer isso e para continuar não gostando de mim. Ele fica de pé e se aproxima da sala, parando em frente à porta de vidro e me encarando, isso está assustador.
— Aqui está, seu amigo que escolheu para você mas se não gostar eu posso trazer outra coisa!— A enfermeira diz entrando e parece ansiosa.
É um prato perfeitamente montado, nele tem arroz, feijão, macarrão, frango, salada, batatas e ao lado tem um suco de maçã. Eu gosto.
—Esta ótimo, obrigada.— Dou um sorriso falso, ela sai da sala e eu fico ali encarando a comida, não sei se consigo.
Me encosto na cama novamente, encarando o prato à minha frente, Serafim já sem paciência entra batendo a porta e pisando fundo.
— É sério? Você vai ficar nessa enrolação? Qual é o seu problema?— Ele não consegue mesmo me entender? É tão, ridículo.
— Por favor, não tenha pressa, isso não é fácil pra mim!— Observo ele pensar e desviar o olhar de mim para a comida.
—Tá, mas não enrola!— Ele se senta na poltrona ao lado da cama e fica mechendo em seu celular. Aproveito para voltar para a comida, agora eu consigo, corto um pedaço do frango, misturo com a comida e como, continuo comendo.
Felizmente não está me dando nenhuma vontade de vomitar tudo. A dor no meu estômago passa lentamente mas algo me incomoda. Estou com medo, estou com medo de estar comendo como a porca que dizem que eu sou. Estou com medo de estar com as bochechas cheias de comida e parecer nojenta. Eu paro.
—Come logo. A aula começa em pouco tempo então precisamos sair logo daqui. Lanterna?— Ele deixa o celular de lado e se inclina para tentar entender o que aconteceu.—O que foi agora? Me diz o que aconteceu.— Sem saber o que fazer ele se levanta e me olha de frente esperando que eu diga alguma coisa, porém, a única coisa que ele vê sou eu imóvel e com os olhos transbordando. Cada gota que cai de meus olhos contém tristeza, medo, angústia, desespero, desgosto e insegurança.
—Qual é, pisca-pisca. Me diz o que aconteceu, você sabe que não estou aqui para ser seu amigo e muito menos o seu ombro para chorar.—Ele espera, espera alguns minutos olhando nos meus olhos no aguardo de minhas palavras. Mas eu não consigo, estou amedrontada com meus pensamentos e não tenho palavras para expressar os sentimentos que me sufocam. Eu sinto, eu sinto, sinto sua mão apertar a minha, o que ele quer dizer? O que está querendo mostrar? É um gesto de força? Finalmente destravo meus olhos de um único ponto no ar e olho para suas mãos cruzadas nas minhas. Olho para seus olhos, meus olhos suplicam por uma explicação ou resposta para minhas perguntas que gritam em silêncio.
—Eu estou aqui, não precisa ter medo. Fique bem, precisa ficar, seja lá o que te destrói, seja lá o que te entristece, eu estou aqui com você nesse momento. Você precisa ficar bem para que eu não tenha que estar com você em nenhum outro momento, sabe que nenhum de nós dois queremos estar aqui. Vamos, coma.— Ele diz sem tirar os olhos dos meus, sem tirar sua mão da minha. Dois olhos me dizendo que está aqui, que não estou sozinha. Uma mão me passando forças para fazer algo simples. Um gesto tão pequeno com um poder tão grande.
—Obrigada.— Quebro a ligação de nosso olhares e tiro seu toque do meu para voltar a comer. Me sinto bem, eu estou comendo e me sinto bem. Estou anestesiada e não sinto nada, meus pensamentos se acalmaram e estou tranquila. Continuo comendo devagar e sinto sua presença e seu olhar durante todo o tempo. Paro assim que termino de comer.
—Muito bem, viu? Foi tranquilo, você comeu. Se apresse para sairmos logo daqui.— Ele recolhe a bandeja e me olha uma última vez antes de sair para falar com a enfermeira.
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𝑂𝑙ℎ𝑜𝑠 𝑃𝑎𝑟𝑎 𝑀𝑖𝑚 - 𝐇𝐞𝐥𝐞𝐧𝐚𝐂
RomanceHécate Luz, uma garota inteligente e de personalidade forte que perdeu os pais e foi mandada para um internato, só não esperava que todos os anos que passaria lá fossem ser como um inferno. ‼️O livro contém menções sexuais, palavrões e conteúdo sens...