2. A CASA DOS HORRORES

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O Fiat preto costura a estrada desértica sob um céu desprovido de cor. De ambos os lados, colinas alfinetadas por inúmeras árvores salpicadas de neve se levantam, o emaranhado de galhos desfolhados que serpenteiam entre si como rachaduras de uma parede apontando para nós com seus milhares de dedos intrusivos.

Mantenho o olhar cabisbaixo e a mente concentrada na música que os fones empurram para dentro de meus ouvidos, uma versão de "Für Elise" reimaginada por Alexander Joseph. Faz dois meses que perdi meus pais naquele acidente, dois meses que foram marcados por dois dias em que fiquei desacordado, uma semana de recuperação no hospital (que só teve fim quando meu estado de saúde agradou as Pessoas de Jaleco Branco o bastante para se sentirem confiantes em decretar minha alta) e várias outras semanas de protocolos jurídicos e impaciência.

Recebi alta no final de novembro, e desde então fiquei na casa do primo Diego, único parente de minha mãe que mora em Vancouver, mas que felizmente é jovem, instável e inconsequente demais para poder me adotar. Felizmente porque, como nunca foi segredo para ninguém (por mais que ele jure ser discreto), Diego tem um sério problema com álcool. Minha estadia em sua casa foi um tempo melancólico e depressivo por todos os motivos óbvios, tempo o suficiente para que a vara de família acertasse as coisas com meus novos tutores, tia Linda, irmã mais nova do meu pai, e seu marido, George Wright, vulgo tio George. Eles moram com o filho pré-adolescente em Greenwood, no Distrito Regional de Kootenay Boundary. É para lá que estou indo.

Encolhido no lado direito do banco de trás, igual a como estava naquela manhã, começo a me lembrar dos detalhes. O sonho que tive. Meu pai agindo estranho. Mamãe planejando o jantar. A chuva.

A coisa no meio da rua.

Não me importaria de ter perdido essa última parte de minha memória.

— Já estamos chegando, meninos — diz tia Linda, virando o rosto no banco do carona. Pode ser porque eu não via os Wright há um ano que ainda estou me acostumando ao novo visual de minha tia. Ela tem o mesmo tom de pele que eu e meu pai, mas o cabelo que costumava ser longo e ondulado, chegando até a cintura, agora está na altura das bochechas, alisado e reluzente. Passei as últimas semanas me segurando para não perguntar se ela começou a usar peruca.

— Está bem. — Meneio a cabeça.

Ela assente de volta e se recolhe no banco. Consigo saber, pela maneira como o som de sua respiração muda, que está sorrindo.

Desde que saímos de Vancouver, a atmosfera parece ter sofrido uma profunda alteração, dando-me a impressão de que eu não estou me mudando para outra cidade e sim para outro planeta. Estou deixando minha antiga vida para trás, arrancando minhas raízes da terra em que fui gerado para ser replantado em outro lugar.

Sinto um cutucão no braço. Viro os olhos para Conner, meu primo de 11 anos, sentado a meu lado. Ele faz sinal para que eu tire os fones de ouvido.

— O que foi? — resmungo.

— Por quanto tempo você vai ficar com a gente? — pergunta ele à meia-voz enquanto o locutor do rádio anuncia que uma nevasca está prevista para esta noite.

— Seus pais me adotaram, Conner — respondo, olhando-o com ignorância.

— Mas você não precisa continuar morando com a gente depois que terminar o ensino médio, não é?

Flexiono os dedos das mãos para conter o desejo de estrangulá-lo.

— Na verdade, esse é meu plano — sussurro. — Vou aturar esse fingimento de que nos tornamos uma súcia feliz por um mero acaso até entrar para uma faculdade bem longe daqui.

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