— Estamos chegando. — Mei cutuca minha cabeça com um dedo fino e firme. — Fiquem atentos.
Estivemos navegando no céu a última hora inteira, o fluxo impenetrável de ar do bolsão nos mantendo protegidos em seu antro. O ar vibra suavemente ao nosso redor, um escudo invisível e palpável que nos mantém suspensos entre as estrelas. Nim, Chen e eu nos tranquilizamos depois dos primeiros quinze minutos de voo; a princípio, ficamos tensos, temendo que qualquer movimento brusco pudesse romper nosso casulo de vento e nos lançar em queda livre, mas aos poucos a confiança nas habilidade de Mei cresceu, e até nos aventuramos a espiar a paisagem urbana abaixo.
As luzes da cidade ardiam como um manto de pedras preciosas estendido aos nossos pés. Acabou sendo muito agradável observar os prédios encolherem e, gradualmente, desaparecerem, dando lugar à escuridão pontilhada pelas constelações. As árvores, sentinelas altas e imponentes, começaram a aparecer, seus topos ondulando como um mar verde sob a luz prateada da lua.
— Estamos no lugar certo? — pergunto, lançando um olhar de relance para a floresta, uma massa escura e indistinta. — Não estou vendo acampamento nenhum.
Mei dá um risinho, o som leve e quase musical se perdendo na brisa noturna.
— Isso é bom. Significa que ainda não acenderam a fogueira.
Fico agradecido pela excitação da chegada ao acampamento ter ofuscado as dúvidas que ela e Chen tinham acerca de nossa súbita fuga do hospital. Provavelmente não seria tão difícil tecer uma desculpa baseada em meias-verdades para afugentar um interrogatório, mas é recompensador não ter precisado fazer isso. Mei parece uma boa amiga em potencial, e a ideia de ter que mentir para ela me incomoda.
À medida que descemos em direção à copa das árvores, os garotos e eu nos amontoamos uns contra os outros numa dança cuidadosa para não interferir demais no espaço pessoal de Mei (ninguém aqui quer que ela perca a concentração). O fluxo de ar que nos sustenta começa a se atenuar, e cada movimento parece um passo de balé em equilíbrio. Seguro no braço de Nim, que por sua vez segura no braço de Chen, cujos dedos agarram firmemente a borda do moletom de Mei.
Enquanto a terra se aproxima, os contornos escuros das árvores ganham definição. Vejo formas quadradas entre os galhos, sombras volumosas que se destacam contra a vegetação. Franzo a testa, tentando decifrar o que são. Um espaço desarborizado mais adiante chama mais a minha atenção: um grande campo coberto de grama convidando-nos para um pouso seguro. Percebo que é nessa direção que Mei está nos levando.
— E lá vamos nó-ós! — gorjeia ela.
Pousamos com um leve baque, quase imperceptível, mas a inutilidade a que nossas pernas foram acometidas na última hora finalmente revela sua consequência. No instante em que a corrente de ar de Mei se dissipa e nossos pés tocam o solo, nós quatro tombamos na grama fria como marionetes cujas cordas foram cortadas. Sinto o frescor da terra úmida abaixo de mim e ouço o suave farfalhar da vegetação em volta.
— Temos que fazer isso mais vezes — brinca Mei.
Com movimentos cuidadosos e gentis, ajudo Nim a se levantar. Limpo os fiapos de grama da minha roupa e esquadrinho o campo vazio.
— De novo, estamos no lugar certo?
— Ó, criatura de mente pequena! — murmura Mei com um toque de brincadeira na voz. Ela me puxa pela manga do suéter e me coloca ereto em frente às árvores. — Consegue ver?
Semicerro os olhos, forçando minha visão a se adaptar à penumbra. As formas quadradas que detectei enquanto descíamos agora parecem mais claras e imponentes. Elas não são meramente quadradas; são cúbicas e incrivelmente detalhadas. A luz da lua revela contornos e texturas que antes me escapavam. São estruturas elaboradas, feitas de madeira e entrelaçadas com vinhas e folhagens, perfeitamente integradas às árvores.
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Neblina
FantasyEm um canto distante no universo, oculto no plano imaterial, um mundo marcado por um vasto continente dividido em quatro bosques é governado pelo filho do Criador. Seus habitantes, dotados de dons elementais, vivem em paralelo com o Mundo Sombrio. N...