Outro clangor, tão alto e forte quanto o primeiro, seguido por um terceiro de mesma intensidade. Depois, um quarto. Depois, um quinto. E então, mais dezenas de baques na superfície do trem — uma saraivada ininterrupta deles —, cada um acompanhado por um novo par de olhos amarelos cintilantes desprovidos de íris e pupilas para nos fulgurar através da claraboia.
A cada solavanco, nós arfamos, desesperados, mas temerosos demais para ousar gritar. Minhas mãos se agarram à borda da mesa, meus dedos cravando-se no tampo. Não há uma única alma no vagão que não tenha se petrificado numa estátua, os rostos todos voltados para cima. Sob a vigilância assustadora dos olhos flavescentes, eu nunca na vida quis tanto que as luzes se apagassem.
A sucessão de baques proporcionada pelo pouso das criaturas misteriosas no alto do trem se prolonga por uma quantidade imensurável de tempo. A determinado ponto, chego a pensar que eles formam um padrão, um ritmo cadenciado e consciente. Até que, repentinamente, acaba.
O silêncio, interrompido apenas pelo deslizar do trem sobre os trilhos e por escassas trocas de cochichos, se instaura, sufocante como uma lâmina de aço em nossos pescoços. Engulo em seco, hipnotizado pelos olhos inflamados.
— O que são? — sussurro com a voz trêmula, minhas palmas começando a suar. Esfrego-as na blusa e uso toda minha força de vontade para não deixar tão evidentes os tremores que partiram de minhas mãos e começaram a percorrer todo meu corpo.
— Anômalos — sussurra Nim, e se um minuto atrás seu rosto exprimia assombro, agora manifesta um pavor macabro.
— O que vamos fazer?
Por um momento, ele desvia a atenção dos olhos sobre nossas cabeças e concentra-se em mim, sua expressão se moldando novamente naquela máscara amedrontada, os ombros arriando.
— Isaac Lane — diz, em tom enfático —, neto de Yann Gray... — Ele balança a cabeça como se a ideia lhe fosse aterrorizante. — Eu jamais teria imaginado isso. Parece um pesadelo.
Não há espaço em minha mente agora para juntar forças para inquirir sobre o que ele quer dizer com isso.
— Vamos adiar essa conversa para outra hora.
— Sim — concorda ele, a face ainda amedrontada.
Um relâmpago aclara o céu, retomando nossa atenção para a claraboia. Pela primeira vez conseguimos enxergar as criaturas que nos sondam em forma.
Elas têm asas membranosas que se estendem como velas negras, cada uma com uma envergadura de mais de um metro. As garras afiadas lembram ganchos retorcidos, com certeza capazes de rasgar carne e ossos sem dificuldade. Não possuem orelhas, uma deformidade que por si só me deixa pasmo. A pelagem é densa e escura, quase preta, e dentes longos e curvos projetam-se para fora da boca como espinhos delgados.
Morcegos. Mas, anômalos como são, é claro que não podiam ser morcegos comuns — são morcegos distendidos. Quando o trovão explode nas nuvens, eles abrem as bocas e rosnam um rosnado incisivo que faz meu estômago estremecer. E o silêncio superficial se desfaz.
A gritaria dentro do vagão irrompe de maneira avassaladora, como se a barragem emocional das pessoas se rompesse simultaneamente. O pânico se espalha, infligindo uma sensação de desespero e caos. Homens e mulheres se levantam de seus assentos, alguns tropeçando em suas próprias pernas ou nos pertences alheios. O condutor aparece, vindo do vagão da frente.
— Estão... estão em cima de... todos os vagões... — notifica ele, antes de seus olhos se revirarem nas órbitas e ele cair desfalecido no chão.
— Nunca pensei que morreria assim — diz Nim, esfregando as mãos no rosto.
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Neblina
FantasyEm um canto distante no universo, oculto no plano imaterial, um mundo marcado por um vasto continente dividido em quatro bosques é governado pelo filho do Criador. Seus habitantes, dotados de dons elementais, vivem em paralelo com o Mundo Sombrio. N...