10. CIVILIZAÇÃO

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A princípio, fico sentado na poltrona, com os pés em cima da mesinha de cabeceira, analisando o relógio de bolso negro e deixando os pensamentos ficarem sombrios. Depois, não consigo mais suportá-los — fico a ponto de sucumbir novamente a uma espiral sufocante —, e preciso caçar por um novo meio de me ausentar do presente. Fuço as estantes até encontrar uma edição de Grandes esperanças, que passo as horas seguintes lendo. Tia Linda não vem atrás de mim, e fico profundamente agradecido por isso.

Estou terminando de ler um capítulo quando ouço uma batida na porta. Elevo os olhos do livro a tempo de ver um pedaço de papel dobrado ser passado por baixo da porta, seguido pelo som de passos se distanciando.

Levanto da poltrona e abro a porta. Não tem ninguém no corredor. Abaixo-me para pegar o papel, desdobro-o e leio:

Quando o sol estiver a pino

Ele virá encontrá-lo

Mas não poderá domá-lo

A caligrafia não me é estranha. Fico sem entender. Tia Linda me escreveu um haicai?

— Tia? — chamo, minha voz absorvida pelo carpete grosso e pelos papéis de parede desgastados, sem ecoar e sem ser correspondida.

Olho para o papel em minhas mãos, confuso. Graças à luz, noto que há mais uma coisa escrita no verso, e eu o viro para ler.

Estante à sua direita, quarta prateleira de cima para baixo, oitavo livro da esquerda para a direita.

Coordenadas?, eu me questiono, com a testa franzida.

Desconfiado, espio o corredor outra vez, apoiando a mão livre no papel de parede verde-musgo com estampa de grinaldas-de-noiva. Há uma janela no final do corredor que dá para o espaço na lateral da casa. De onde estou, é possível ver, através do vidro embaçado de geada, a copa de um bordo com um pouco de neve cobrindo-lhe as folhas como açúcar de confeiteiro e um céu incolor ao fundo.

Releio as coordenadas no papel. Estante à sua direita. Rendido à curiosidade, me direciono à estante em questão. Conto a quarta prateleira de cima para baixo e o oitavo livro da esquerda para a direita e o puxo. É Sociedade dos poetas mortos.

Por pouco não deixo o livro cair.

Toco a capa, acompanhando o título com os dedos, pensando naquele dia, naquela manhã — o início, o fim. Abro o livro e folheio as páginas com uma suavidade vítrea, sem identificar nenhuma palavra circulada, nenhuma frase sublinhada, nenhuma anotação nas margens. Chacoalho o livro para ver se algo, tendo passado despercebido por meus olhos, cai de seu interior. Funciona: um segundo papel dobrado pousa entre meus pés. Apanho-o num movimento e leio:

Quando as folhas estiverem caindo

Ele lhe dará outra chance

Mas não se amanse

No verso, está escrito:

Seu quarto. Gaveta da escrivaninha.

— Tia Linda — grito pela porta —, que tipo de caça ao tesouro é essa?

Desço ao andar de baixo e não a encontro. A cozinha está limpa, sem nenhum vestígio de presença humana recente. O casaco dela não está no cabide do hall da entrada, o que me leva a crer que ela pode ter voltado para a floricultura. Imagino que tenha passado o primeiro bilhete por baixo da porta da biblioteca e saído às pressas para não precisar me encarar de frente. Gosto disso — da ideia de ser intimidador. Aposto que é como Nim se sente quando está caçando.

De volta ao andar de cima, ciceroneio até meu quarto e puxo a gaveta da escrivaninha, imediatamente sendo saudado por um terceiro bilhete com os dizeres:

NeblinaOnde histórias criam vida. Descubra agora