11. SACRIFÍCIOS

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— Você só pode estar brincando comigo. — Encaro Mei por cima do ombro. — Você está brincando, não está?

Ela não se dá ao trabalho de virar os olhos para mim, nem tenho certeza se ouviu o que eu disse, de tão distraída que está. De maneira quase idêntica, Nigel retesa o corpo e encara cavalo e cavaleiro com seriedade.

— Você disse que ele era regente? — pergunto, me juntando a Mei.

— Eu disse — confirma ela.

— O que ele fazia?

— Você não sabe o que um regente faz? — Ela levanta a sobrancelha esquerda.

— Sei, sim, mas tendo em mente que estou em outro mundo, as coisas podem funcionar de um jeito diferente aqui.

— Precisa parar de pensar em Halel como um multiverso sem sentido e começar a vê-lo como parte do mesmo universo em que você sempre esteve — replica ela.

— Ah, mil perdões, garota que solta fogo pelas mão.

Ela torce os lábios em deboche.

O cavaleiro se aproxima lentamente de onde estamos, os ombros curvados numa postura tímida. Ele não nos vê — seus olhos estão baixados para o chão, e posso jurar que as pálpebras quase se fecham —, e mesmo com a capa cobrindo seu corpo é possível identificar seus músculos rijos acentuando o manto em pequenas ondas. Sinto pena do cavalo.

— Sr. Jansen! — Levanto o braço e aceno para ele.

Alertado pelo som de seu nome, ele levanta o olhar devagar sob o capuz, mas seus olhos levam um tempo para me focalizar no meio da multidão. Quando ele enfim me avista, a familiaridade transparece em seu semblante.

— Isaac? — ele diz com um sorriso e puxa o capuz da cabeça, expondo os cabelos cor de ouro à luz amanteigada do sol. O primeiro pensamento que me ocorre é que ele parece um personagem de um romance medieval, um anacronismo em um mundo moderno. — O que faz aqui?

— É uma história engraçada.

Com um exagerado puxão de rédeas, ele faz com que o cavalo, Elliot, cesse o galopar com um sobressalto e um relinchar inquietante. Isso chama a atenção de ainda mais pessoas, para não dizer de todas, paralisando boa parte da movimentação da rua. Ele deve fingir não notar, pois não demonstra nenhuma reação à plateia. Desce do cavalo e anda até mim a passos rápidos, seu sorriso iluminando o rosto.

— Quando você voltou? — ele pergunta.

— Há mais ou menos uma hora. Eu estava em meu quarto quando uma árvore saltou de dentro do guarda-roupa para o meu quarto. Desci por ela e segui por uma trilha até chegar aqui.

— Oh, certo. — Ele bate as mãos enluvadas uma única vez. — Pelo visto Elim quer que você passe mais tempo conosco.

É incrível como ele parece ainda mais alto agora que estamos cercados por pessoas de vários tamanhos. Seus ombros largos, não mais encolhidos, estão estendidos como muros. Sempre fui considerado alto para a minha idade, mas nesse instante estou me sentindo minúsculo. Não é lá uma sensação muito agradável, principalmente quando se está acostumado a ser mais alto do que a maior parte das pessoas, até das que são mais velhas.

— Pois é... — Viro-me para Mei. Seu rosto não é mais sarcástico. Ela está olhando para mim com incredulidade. Não deve ser todo dia que ela vê um neófito interagindo livremente com um ex-regente. — Sr. Jansen, essa é a Mei. — E sussurro num volume baixo o suficiente para que somente ela escute: — Este é o ermitão em cuja casa fiquei na minha primeira vez em Halel.

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