12. TREINAMENTO

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Eles me conduzem para fora do chalé, e abandonamos o campo de urzes para adentrar a floresta. Evito levantar mais questionamentos, mas fico remoendo a coisa sobre Nim ser um inábil e isso ter sido o estopim do fim da regência de Bruce. Ainda não compreendo como esses Ancestrais podem ser tão bons em persuadir parte importante do povo de Halel com uma série de dogmas sem fundamento — como se, assim como ocorre no meu mundo, este também tivesse de lidar com sua própria torrente de fake news.

— Para onde estamos indo? — pergunto após alguns instantes. Faz pelo menos dez minutos que estou seguindo-os pela floresta.

— Para o lado oposto de onde Nim está caçando, assim não corremos o risco de ele nos ver usando nossos dons — explica-me Anna.

— Ele não gosta de ver vocês usando os dons?

É compreensível. Para Nim deve ser como ser cego e alguém ficar descrevendo uma paisagem deslumbrante que ele jamais vai poder ver.

— Fizemos um trato com ele — diz Bruce. — Anna e eu decidimos nos abdicar ao máximo de nossos dons até que os dele despertem.

— Mas e se...

— Se nenhum dom se revelar? Temos noção dessa possibilidade tanto quanto temos fé de que ela não é real.

Mais uma vez, o casal troca um olhar preocupado, e os dedos de suas mãos se aproximam alguns centímetros, encostando-se.

Mesmo com várias coisas girando na minha cabeça, consigo encontrar espaço para mais uma preocupação: a forma como Bruce e Anna parecem temer que os boatos sobre Nim sejam verdadeiros.

Que, no fim, Halel realmente não seja o lugar dele.

Mais cinco minutos depois, paramos em um pequeno vão entre as árvores onde a grama é substituída por uma porção de terra preta úmida. Está bastante silencioso nessa parte do bosque, e o sol está quase no meio do céu.

— Já que moram no Bosque de Primavera — começo a dizer —, deduzo que um de vocês seja um primaveril.

— Está certo — Bruce sorri. Olha para a esposa de esguelha e emenda: — Mas agimos a nosso próprio modo, com uma conciliação que pode ser... interessante.

Anna assente com um sorriso cheio de expectativa, o que faz com que eu comece a criar expectativa. Uma ideia intrusiva brota em minha mente — que eles me trouxeram até aqui para me mostrar seus dons porque, desde aquele primeiro dia em que Nim me apresentou a sua família, eles enxergaram em mim o mais perto de um relance de esperança, um indivíduo usado por Elim para trazer à luz os dons de seu filho.

(Usado.)

Enquanto estou divagando, Bruce se ajoelha na terra negra, cava um pequeno buraco com as mãos e puxa o saquinho de pano do bolso, de onde tira uma semente solitária do meio das outras e a enterra. Depois se levanta e bate a terra das mãos.

— Tudo certo? — ele pergunta, mas não sei dizer se está se dirigindo a mim ou a Anna. Talvez a nós dois.

Afasto-me um pouco para trás e cruzo os braços, esperando para ver o que virá a seguir. Agora é Anna que se ajoelha, com a mão direita estendida à sua frente, bem próxima do bolo de terra com que Bruce acabou de soterrar a semente. E, da mesma forma que aconteceu com Mei, uma chama alaranjada tremula na palma de sua mão. Acontece tão rápido que eu rio com entusiasmo.

— O que vocês estão aprontando... — penso com meus botões.

Os braços de Bruce pendem baixados ao lado do corpo, e ele levanta um dedo indicador e o mantém ereto como se apontasse uma direção. Não há nenhum sinal de esforço em sua postura, nada que demonstre que ele está fazendo algo que consuma suas energias. Os ombros largos continuam sendo as muralhas mais sólidas que já vi, as pernas os alicerces mais estáveis que já vi. O que poderia me confundir seriam os traços profundos de seu rosto, mas já sei que sua mandíbula é naturalmente bem definida.

NeblinaOnde histórias criam vida. Descubra agora