Morte é inevitável

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Palavras: 2500

Perderam a conta de durante quantas horas estiveram caindo. Isso deveria ser impossível, claro, já que são Viajantes e os aspectos do tempo estão sob suas ordens. Mas, dessa vez, algo superior parece ter interferido, e isso só confirmou os maiores medos de Oihio: o tempo deles estava acabando.

⎯⎯  Acho que já consigo nos fazer pousar ⎯⎯  avisou a Izi. Sem fonte alguma de luz naquele lugar, somente as nebulosas e as estrelas dos corpos dos Viajantes podiam ser vistos.

⎯⎯ Não. ⎯⎯ Izi tinha Muerte no colo. Estivera sussurrando palavras acalentadoras para ela, mas a deusa infante não respondera. ⎯⎯ Pode ser considerado uma afronta. Viemos visitar, e não propor um duelo.

Foram suas últimas palavras antes de finalmente avistarem o solo branco.

Pousam em areia macia. O horizonte, nada além de escuridão. Subitamente, o solo à frente se move, de onde começam a surgir pedrinhas arredondadas a formar uma trilha. Os Viajantes se entreolham, incertos, mas começam mesmo assim a andar.

⎯⎯ Não entendo ⎯⎯ confessa Oihio.

⎯⎯ Não entende o quê? ⎯⎯ Os olhos de Izi são quase tão vazios quanto o que os está perseguindo. ⎯⎯ O Criador Absoluto está tentando acabar com o ciclo e nos salvar, é isso. Está duvidando dele?

⎯⎯ A dificuldade em viajar no tempo, os mundos acabando antes da hora...

⎯⎯ O Criador não tá podendo fazer tudo ao mesmo tempo...!

⎯⎯ E também tem isso aqui.

Oihio interrompe a amiga com a pequena agenda que tirou do bolso, capa vermelha e páginas negras. Abre e aponta as palavras em tinta branca, explicando:

⎯⎯ O tempo em que vivemos tem uma equivalência com o tempo do Criador. Pelos meus cálculos, pra ele, faz vinte e quatro dias que estivemos caindo, vinte e sete desde a minha passada pelo outro universo, quarenta e quatro desde que o mundo de Muerte se foi e cinquenta e três desde que tudo começou de fato. Aliás, saudade da minha prancha.

⎯⎯ Aonde quer chegar, Oihio? ⎯⎯ Izi franze o cenho.

⎯⎯ Tem um padrão. Mas não o que ele normalmente usa. É como se ele estivesse esperando o momento certo pra cada acontecimento...

⎯⎯ Calado.

⎯⎯ É sério! E se o tempo de existência dos mundos estiver encurtando não por um erro, mas sim por...

⎯⎯ Não, cara, eu quero dizer: tá na hora de parar de falar.

Oihio entende assim que avista o fim da trilha de pedras: sob um largo feixe de luz vindo de muito acima, há uma grande figueira, de caule cinzento e galhos retorcidos totalmente despidos, como se, mesmo cedendo aos poucos ao percurso do tempo, estivesse lutando para permanecer viva. Abaixo dela, uma pedra comprida e chata serve de mesa para vários instrumentos de laboratório, alguns humanos e outros além da compreensão. Oihio imediatamente paralisa diante da figura de manto azul que manuseia os objetos, e perde o fôlego ao ver o rosto de Muerte, sua Muerte, outra vez olhando para ele.

⎯⎯ Dante! ⎯⎯ Izi deixa escapar, ao que Oihio lhe olha confuso.

⎯⎯ Nenhum ser vivo ousa dizer isso alto o bastante para escutar a si mesmo ⎯⎯ diz a figura sob a figueira, limpando suas lentes com um guardanapo branco. ⎯⎯, mas a morte é a coisa mais bela que qualquer vida pode presenciar. Por isso a maioria a teme. Nada que não seja absurdamente letal seria tão bonito. É o que estão vendo quando olham para mim, cada um de vocês. A pessoa que, em suas vidas, foi o brilho na escuridão, e quem esperam encontrar no fim.

OIHIOOnde histórias criam vida. Descubra agora