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. . . .Palavras: 3500
Querido é seu fim. Não tem vontade de impedi-la. A lâmina penetra lentamente seu peito, buscando sua vida nos confins do universo que há por trás das estrelas que o formam. Ele já foi um deus, um Viajante, um amante, mas agora, na pontada que indica que tudo terminou, o que lhe resta é ser mais um mortal.
⎯⎯ Acho que tá certo.
⎯⎯ Então é isso o que lhe resta. Confiar em algo que não existe mais.
⎯⎯ Morte é inevitável. ⎯⎯ O sangue no sorriso de Oihio é o primeiro que lhe escorreu durante toda a sua existência. A sensação é mais comum do que esperava.
⎯⎯ E acha que essa foi a melhor escolha? Eu vou descobrir assim que esse seu truque temporal terminar! ⎯⎯ Ioi segura firme o cabo da faca.
Pois então, na velocidade de um apagar de luzes, o Viajante possuído faz o movimento final. O solo treme e se divide em incontáveis fissuras, um aviso de que nenhum dos dois tem mais muito tempo.
A terra dos mortos berra seu epitáfio.
⎯⎯ Ela está em outro universo. Longe de tudo isso. Longe de você, Ioi.
⎯⎯ Me diga, Oihio. Não tem que acabar agora, sabe bem disso.
⎯⎯ O problema é: tudo acaba. Mesmo os maiores heróis lutam pra segurar consigo seu resto de coisas boas, e salvam o mundo se preciso for pra isso. ⎯⎯ Oihio encara a bruxuleante chama colossal que ocupa o centro da esfera. ⎯⎯ Fazem o que for preciso pra não ter que encarar a própria desesperança. Mas, no fim de suas histórias, acabam aqui. Como eu.
⎯⎯ Por que não acaba com isso logo e me conta onde Muerte está? ⎯⎯ Ioi levanta junto com o último Viajante.
O Outro Lado. Purgatório. Maat. Valhala. Submundo. Seja como o chamem, ou mesmo se acreditam nele, o mundo dos mortos é a coisa mais deslumbrante que Oihio já experienciou. Morte não estava superestimando, no fim das contas. É difícil ver, por conta do sol que está bem no meio. É difícil imaginar. Da ponta daquele rochedo, coberta pelo tapete de grama mais verde de todos, ele enxerga tudo, desde as colinas que o rodeiam até as que estão acima de sua cabeça, na ponta oposta do diâmetro que mantem afastados as concavidades da esfera. Oihio esteve sentado por tempo demais para resistir à vontade de ficar de pé.
⎯⎯ Tecnicamente, todo mundo que tá aqui, é porque tá morto.
⎯⎯ Você quer dizer, os mortos.
⎯⎯ Pelo que ouvi dizer, o Outro Lado tem a aparência do interior de uma bola pra que nós desistamos da ideia de tentar fugir. ⎯⎯ Bem que poderia ter escolhido um lugar um pouco mais confortável. A bunda de Oihio começa a doer. ⎯⎯ Isso não é coisa de morto?
⎯⎯ A Morte não está mais entre nós. Todos estão vindo para cá, agora, principalmente os vivos, como você. ⎯⎯ Somem todas as NUV3N5 de uma vez. Ioi tira a mão de dentro de um amontoado de névoa esbranquiçada, que é consumida pelo V@Z!0.
Sabor de nostalgia. A xícara de chá é quente como um coração gentil. Letras orientais adornam a porcelana, e a superfície do objeto reflete o colorido da aurora boreal que passa por eles. Por sinal, do Leste, chega um veículo movido a vapor, cujos vagões são pintados com todos os espectros de cor, mas tão vazios quanto o bule que repousa sobre a fogueira. Um assobio anuncia a chegada do que foi, um dia, o trem de Caronte.
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OIHIO
Short Story.。.:*・゜゚・*☆ Viajantes: uma raça de seres de poder quase infinito que atravessam os mundos e alteram a realidade a seu bel prazer. Mas, independente do quão poderoso alguém é, nada é de graça. Que preço os Viajantes tem que pagar por tanta liberdade...