• 1 - Começo do Tempo •

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É esse o preço que se paga por ser a única filha de um guarda real.

Ironicamente, está chovendo. Não muito, mas o suficiente para molhar minhas botas e meu cabelo curto. Vir para o funeral foi uma péssima ideia, mas não foi minha.

Apenas obedeci ordens. Coisa que, aliás, já estou acostumada.

A família real não está aqui. Não me surpreende; com a quantidade de ameaças que eles recebem, eu também estaria trancafiada no meu quarto nesse exato momento.

Mas não. Sou apenas uma aprendiz da FAPAC. E é por isso que vim.

Nunca trabalhei para o reino, e nunca tive vontade, também. Mas fiquei alguns anos em um acampamento, treinando minhas habilidades com outras crianças, para que, no futuro, eles tenham opções.

Cresci ouvindo que eu seria a próxima. "O seu pai foi o melhor guarda que a coroa já teve, começou aos catorze anos. Um dia, chegará sua vez."

Quando eu fiz catorze, minha mãe me fez entregar uma solicitação na porta do castelo. E, é claro, nunca recebi retorno. Provavelmente por ser mulher, e talvez pequena demais para defender qualquer pessoa.

E eu me sentia incapaz, também.

Aos dezesseis, a história se repetiu. Eu já havia completado uma década na FAPAC, e fui encorajada a enviar uma segunda carta. Nenhuma resposta.

Acho que fiquei frustrada. Como citei, nunca tive uma vontade genuína de trabalhar para eles. Mas eu odiava a sensação de fracasso. Odiava ser ignorada. Afetava meu ego, e aos dezesseis, eu já me sentia capaz.

A segunda rejeição me abalou completamente. Aos dezessete, mandei uma terceira carta. Onze anos treinando para fazer algo de útil com a minha vida. Onze anos tentando ser igual ao meu pai.

E absolutamente nenhuma resposta.

Bom, a história não se repetiu. Ou, pelo menos, não a rejeição.

Meu cabelo molhado agora derrama gotas sobre meu rosto. Meu rosto está completamente lavado. Meus olhos vermelhos.

Assisti um homem alto, com provavelmente dois metros, se aproximar de mim.

E eu reconhecia aquele homem. Dante.

— Sinto muito pelo seu pai.

— Ele morreu fazendo o que era certo. — Digo, com uma voz tão segura que chegou a me surpreender. Eu estava estável, afinal.

— Margareth recebeu sua carta.

Meu olhar se ilumina. Se levanta, e minha cabeça vira rápido para ele. Rápido o suficiente para ouvir um estalo em meu pescoço.

— Margareth? A rainha Margareth?

— Todos estão arrasados no castelo pela morte de seu pai. Ela pensou que deveria falar com a herdeira pessoalmente.

A palavra "herdeira" me fez rir. É o termo que eles usam para chamar os filhos. Não herdei nada do meu pai, e nem esperava herdar.

Foi um guarda real renomado, mas éramos pobres. Nunca entendi essa lógica. Costumava me questionar isso quando eu era criança.

— Depois de todos esses anos me ignorando, ela resolve dar as caras quando meu pai falece? Quanta piedade...

— Você deveria ir. — Seu tom, apesar de sério, é amigável.

Dante foi meu tutor por quatro anos no "Força Armada Perante a Coroa", e também foi o melhor amigo do meu pai.

Ele parece arrasado. Não teria notado isso se não o conhecesse tão bem.

Ele é um homem forte, alto, de pele e cabelos escuros, e olhos profundos castanho-claros. E, visualmente, nada nele demonstra nada além de segurança.

Segurança e postura.

Mas alguns pequenos gestos me deixam notar que ele não está bem. Sinto que deveria fazer algo por ele, mas é o meu pai naquele caixão. Sei que as coisas não estão fáceis mais do que ninguém.

— Certo, você me convenceu, Dante. — Dou um sorriso fraco para ele, na tentativa de trazer algum conforto. Ele sorri, também.

— Posso te levar amanhã.

— Eu tenho treinamento na FAPAC amanhã. Não vou encontrar tempo.

Ele ri, como se fosse uma péssima piada.

— Encontrar tempo para falar com a rainha? Helena, não somos nós quem fazemos as escolhas, aqui. É amanhã ou nunca.

— Certo. — Concordo. — Então amanhã. Vou precisar de uma carta justificando minha falta.

— Deixa comigo. — Ele passa a mão no meu cabelo ensopado castanho. — Eu sinto muito, Lena. Diga para sua mãe que estou aqui, caso precisem.

Ele se afasta.

Não vi minha mãe em nenhum momento no velório, mas não me surpreende. Talvez ela tenha saído para chorar e não voltou. Ou, talvez, ela nem tenha conseguido vir.

Sinto muito por ela. Mas agora, minha cabeça está em outro lugar: "Rainha Margareth quer falar com você".

Assisto alguns dos colegas do meu pai passando por mim, entrando em carros e indo embora. Estou sozinha.

Eu, a chuva fina, algumas moitas atrás me mim e o velório organizado para o meu pai.

Ele sempre me dizia que sou uma pessoa apressada e competitiva, que a vida ainda iria dar certo para mim, mas só quando eu aprendesse a respeitar o meu próprio tempo.

O meu tempo chegou, pai. Mas, infelizmente, apenas quando o seu acabou.


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