Capítulo 13 - Devaneios

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 Após o jantar, em meio a um clima extremamente desconfortável, fui conduzido a um quarto para descansar. A desconfiança pairava no ar, cada pessoa parecia vigiar seus próprios passos e os dos outros. Sentei-me na alta e confortável cama de casal, sentindo o peso dos grossos cobertores e o travesseiro de penas. A noite estava fria, com um vento cortante lá fora. Enquanto trocava de roupa para dormir, a porta se abriu sem aviso.

- Licença? Eu tô me arrumando pra dormir - observei aquele rosto conhecido, que me prendera mais cedo - Posso ajudar?

- Pete? - ele olhava para os lados, como se tentasse ser discreto. Com passos lentos e cuidadosos, ele se aproximava de mim - Eu sou Chris.

- David, não me chame de Pete. E eu sei quem você é.

- David - Ele respirou fundo, hesitando - eu conheço seu irmão, Charles. Estava te procurando.

- Achou e já pode ir dizer pra ele que, se ele não quer cuidar do próprio irmão, não precisa mandar mais ninguém fazer isso. Agradeço a disposição e agora vou dormir - Deitei-me, virando as costas para ele. Mesmo assim, Chris não desistiu e se sentou na beirada da cama.

- Seu irmão falava de você todos os dias. De como ele queria ser próximo de você, de como ele queria ter aproveitado a sua infância. Ele sabe o que é melhor pra você, só quer te proteger. Ele disse também que você sempre foi cabeça dura - Chris tentou suavizar a tensão com um sorriso, mas eu permaneci em silêncio.

- E quem é você, de onde conhece ele? - minha voz soou abafada pelo travesseiro - Se ele quer me proteger por que não está comigo?

- Minha família escondia seu irmão, a pedido do seu pai. Meu pai trabalhou com o seu. E, o que estamos vivenciando é muito mais perigoso do que parece. Ele não quer te envolver nisso.

- Eu já estou envolvido, Chris. Não tem para onde correr. Mas não quero falar sobre isso agora. Preciso dormir, conversamos amanhã. - Minha cabeça latejava, uma dor que persistia desde o início do dia.

 Tentava fugir dos meus pensamentos, me esforçando para pegar no sono. A última vez que eu havia dormido bem e descansado, foi na última noite que estive com meu irmão. A última e rara vez que senti um pingo de felicidade, em muito tempo.

 Era manhã e eu não conseguira pregar o olho. Estava com medo e preocupado a todo tempo, e não havia me convencido de que aquelas eram boas pessoas. Minha mente explodia de dor, imaginando mil coisas que poderiam estar por vir. Por volta de 8 horas, alguém bateu na porta.

- Tô acordado.

- Acordou cedo, que estranho - Nate entrou e sorriu, e ao não se deparar com o meu sorriso de volta, murchou - acho que precisamos conversar.

- É - Assenti, cansado.

- O que tá acontecendo Dave?

- Seja mais específico Nate - Suspirei. Minha cabeça ainda ardia insuportavelmente. 

- Vamos por partes então - Nate se sentou, unindo as mãos. Pareciam úmidas, um sinal claro de sua ansiedade - Por que você fugiu? Por que você tá tão chateado comigo? E por que você voltou tão... diferente? Eu sei que errei com você, mas você não tem o direito de me excluir da sua vida como você está fazendo.

- Eu não tô fazendo isso - suspirei.

- Está - com um tom firme, Nate fincou seus olhos em mim, e eu senti o que ele queria dizer - Você não fala comigo, você não me conta nada, nem sequer fica perto de mim.

- Você quer que eu me desculpe? Se for isso, me desculpa - Relutei.

Nate respirou fundo, esfregou as mãos, balançou a cabeça - Não. Eu só quero entender. Você é minha única família, sua atitude tá me matando!

- Você tá certo - segurei as lágrimas - talvez eu esteja exagerando. 

- Desembucha.

- Eu fui embora porque me senti deslocado. Me senti um peso pra vocês, e minha cabeça não tá funcionando muito bem. Eu fiz merda e pensei que pudesse colocar a vida de vocês em perigo. Nate, eu tô confuso desde que tudo isso começou. Pode parecer besteira mas eu tô em crise desde o primeiro dia.

- Por que você não falou comigo? Se você quiser vamos embora nós dois juntos e pronto! - Nate franziu as sobrancelhas, tentando decifrar meu silêncio.

- Você estava "bem" com seus novos amigos. 

- Não David, talvez eu tenha me empolgado mas meu amigo é você. Eles são desconhecidos - me interrompeu.

- Tá... e... eu fiquei chateado por que você agiu e age como se eu fosse uma criança. Como se eu fosse incapaz de me defender e precisasse ser corrigido todo momento.

- Eu só quero te proteger.

- De que? Eu sinto muito Nate, mas você não tem esse poder. Eu espero de você amizade, companhia e compreensão, e não que você aponte os meus erros, ou tente ficar me impedindo de fazer alguma coisa - ele engoliu seco, incapaz de formular uma resposta - E não aconteceu nada demais enquanto eu estive fora, só pensei bastante e...

-E?

- Nada - por um momento, pensei em contar a ela tudo que aconteceu, mas desisti - Foi mal.

 Aquela conversa trouxe certo alívio. Nate sempre foi meu melhor amigo, e eu odiava a tensão entre nós. Após o desabafo, fomos tomar café. Um banquete nos esperava, e era evidente que aquelas pessoas sabiam se virar bem, mesmo em meio ao caos. Comi rapidamente e voltei para a cama, tonto de cansaço.

 Já era noite e eu ainda estava deitado, não conseguia abrir o olho de tanta dor. Tinha algo de errado com a minha cabeça e remédio nenhum resolvia. Comecei a suar frio, tremer, e a falta de ar me apavorou. Chris pediu para ficar sozinho comigo, e os outros concordaram.

- Você claramente precisa descansar David. O que eu vou fazer é um pouco invasivo mas pode te ajudar a adormecer por um tempo até seu corpo se recuperar. Mas eu preciso que você permita - Assenti com a cabeça, incapaz de falar - Tudo bem. Pode doer um pouco.

  Chris colocou então tampões no ouvido e retirou de seu bolso algo parecido com um telefone, com uma antena e um pequeno botão ao centro. Ele apertou e imediatamente o aparelho começou a disparar sons insuportáveis. Aqueles sons pareciam entrar diretamente nos meus tímpanos e furar meu cérebro. Eu apertava as têmporas enquanto sentia meu corpo desfalecer. O rapaz me segurou e me deitou delicadamente. Tonteei, e em um segundo, tudo desapareceu. Eu havia dormido? Desmaiado? Eu estava num sonho? Não sabia. Mas a dor havia sumido, e eu me encontrava paralisado no meio de uma vasta escuridão. Percebi lentamente um sonho se formando a minha volta, ao mesmo tempo que algo parecia tentar desfazê-lo. Me mexi e percebi que se tratava da minha escola. Todos os alunos, com seus rostos estranhamente desfigurados, mas ainda reconhecíveis. Andei pelos corredores procurando algo que eu não fazia ideia do que, ao passo que, tudo que saia da minha vista se desfazia. Sentia leves pontadas na cabeça, e uma tensão, como se algo tentasse puxar meu corpo para baixo.

 Depois de um tempo vagando pelo caos da minha própria mente, finalmente o sonho se estabilizou. Havia uma casa diante de mim, e uma voz desesperada me chamava. "Abra a porta, David, rápido. Você precisa abrir." Era tudo coisa da minha cabeça, o que podia dar errado? Segui em frente. Aquela casa minúscula, de parede amarelada com tinta descascada, parecia ter um único cômodo, sem nenhuma janela. Uma casa velha no meio do nada... Senti o gelado do metal ao tocar a ponta dos dedos na maçaneta arredondada. O cheiro de madeira molhada, misturada ao vento úmido fazia parecer aquilo tudo tão real, a ponto de doer o pulmão. Respirei fundo e abri a porta. E então, uma risada ecoou no vazio.

- Você não está sonhando David. Sou eu. Pode pular de alegria! Ou você achou que ia se livrar facilmente assim de mim?

  Estava mais confuso do que nunca. Meu coração disparou. A confusão e o medo se misturavam em um turbilhão dentro de mim. O que estava acontecendo?

Devastação - Nenhum detalhe é obra do acasoOnde histórias criam vida. Descubra agora