A francesa excêntrica

24 2 0
                                    

Fazia quase um ano que Luna estava no orfanato. Durante os três primeiros meses recentes a morte de sua mãe,Anastácia a visitava duas vezes por semana. Mas agora fazia um mês que não recebia visita alguma.
Lembrava como se fosse ontem da promessa que Anastácia fizera,mas no decorrer do ano as coisas não aconteceram como planejado.
Anastácia era jovem,ainda frequentava a faculdade e morava numa casa simples. O que a ajudava manter o aluguel era o dinheiro que recebia quando cuidava de Luna e também o dinheiro que recebia com seu trabalho temporário aos sábados. Mas agora que Luna estava no orfanato não tinha como pagar o aluguel,e assim,teve que voltar a morar com seus pais depois de três anos morando sozinha.
Ainda não tinha desistido da adoção,mas a situação não estava favorável. Tinha que se estabilizar e arrumar um emprego,e enquanto isso não acontecia,Luna ficaria no orfanato correndo o risco de ser adotada por outra família,e pensar nisso fez Anastácia ficar ansiosa.

Enquanto isso,no orfanato,Luna estava em sua cama olhando para o teto cinzento e mofado de seu dormitório. Chovia lá fora,o que ajudava Luna a ficar mais desanimada. Ficou sabendo horas mais cedo que no próximo ano,ou seja,quando completasse sete anos de idade,iria para a escola. Dentro do orfanato havia uma "instituição de ensino",porém o lugar estava lotado,e os novos moradores do orfanato iriam estudar fora,na escola mais próxima.
Luna estava curtindo profundamente seus devaneios,mau escutou quando Lúcia a chamou:
-Luna? -Virou-se na cama,procurando uma posição confortável para olhar a amiga na cama ao lado. -Você sabe que dia é hoje?
-Quarta-feira? -Luna ainda não sabia diferenciar os dias da semana,mas ouviu uma das freiras no corredor falando que hoje era quarta-feira.
-Não bobona! -Lúcia ria de sua amiga desenformada. -Hoje é o dia em que as famílias vem visitar o orfanato. Quem sabe não seja nosso dia de sorte? -Disse com voz sonhadora.
-Então talvez a Anne venha! -De repente ficou animada,pois podia finalmente ver um rosto familiar,um rosto que a lembrava de sua vida quando esta ainda não era uma bagunça.
-Quem é Anne?
Mas Luna não prestava atenção na amiga,ficou imaginando Anne finalmente cumprindo sua promessa,e com esse pensamento,acabou adormecendo.

Luna estava com Lúcia e várias outras crianças esperando. Apenas as crianças com visitas marcadas tinham sido chamadas para a grande sala de estar,o lugar mais bonito e sombrio do orfanato. Agora elas estavam enfileiradas na parede oposta à porta,quase não conseguindo conter a euforia que tomava conta do lugar.Elas tinham ficado felizes por terem sido chamadas,nesses momentos a esperança de se ter uma família novamente invadia o coração de cada criança,e as forças eram enfim renovadas.
Quando a enorme porta de madeira envelhecida se abriu,todos se calaram,ansiosos. As primeiras pessoas a entrar foram as assistentes sociais e as freiras,respectivamente.
-Primeiramente,boa tarde. -Disse rígida uma das freiras,a chefa,bruxa,monstra,o poderoso chefão,a diretora do lugar. -Hoje é um dia importante para a maioria de vocês. Com sorte cada um poderá conseguir finalmente uma passagem sem validade desse lugar deprimente. Aproveitem,não falem besteiras,não pensem besteiras,não sejam inúteis,pelo menos hoje (risada sinica). Eu estarei observando vocês -Disse olhando maleficamente nos olhos de cada criança. -Agora,comportem-se. -Virou-se lentamente,pôs um sorriso nada convincente no rosto e fora receber os convidados.
Os pais se sentaram aleatoriamente pela sala.
-Cada visitante tem a ficha de uma criança. -A assistente social começou a explicar. -Um a um,por favor,chamem os nomes que estão na ficha. -E apontou para uma mulher solitária sentada perto da janela. -Por favor,você começa.
-Alana Maribel! -Chamou,e uma menina levantou a mão. A mulher sorriu. -Não seja tímida,pode vir.
E logo após cada criança foi chamada pelo seu respectivo visitante. Dez minutos depois Lúcia foi chamada por um casal. Eles eram loiros,marido mulher e filho. Luna tentou imaginar sua amiga sendo adotada por aquelas pessoas de cabelo amarelo e sorriu por dentro. Sua amiga tinha o cabelo tão preto quanto petróleo. Perto deles seu cabelo chamava ainda mais atenção. Espero que dê tudo certo pra ela.
-Luna Müller! -O coração de Luna tinha disparado,e ela olhou rapidamente procurando a família que tinha chamado seu nome. -Luna? -Chamaram novamente e ela os viu,levantou a mão e foi em direção deles.
Luna se sentou e olhou para as pessoas que a encaravam. Uma delas era uma mulher excêntrica,tinha o cabelo chanel,usava delineador e um batom vermelho escuro. O homem que a acompanhava usava terno e gravata,como se estivesse indo para uma conferência e não para um orfanato. De fato eles eram pessoas estranhas,mas Luna tentou não pensar nisso,tinha que ser agradável como a diretora havia pedido. Caso o contrário poderia ficar de castigo,e pensar nisso fez com que sua barriga revirasse de medo.
-Que menina mais adorable. -A mulher falou com um sotaque que Luna nunca tinha ouvido,era como se ela raspasse a garganta a cada palavra que pronunciava. -Então,quel âge êtes-vous?
-Hum... A senhora pode repetir? Não estou te entendendo. -Luna sorriu fracamente.
-Eu perguntei quantos anos você tem?
-Ahh sim... Eu fiz seis mês passado.
-Apenas seis? Que adorable! -Novamente aquela palavra,será que ela não poderia falar como eu? Luna ficou pensando.
-Donc petite fille Luna,fale mais sobre você.
-Okay... Bom,eu sou Luna,tenho seis anos como disse e adoro comer waffles. Meu animal favorito é a raposa,minha mamãe costumava dizer que éramos parentes por causa do meu cabelo que tem o mesmo tom alaranjado do pelo dela. Ela também falava que meu cabelo lembrava o outono...
-O que aconteceu com sua mãe? -O homem perguntou,falando pela primeira vez.
-Ela morreu faz quase um ano... Mas a Anne disse que iria me adotar,e...
-Qui est Anne?
-Quem é a Anne? Ahh,era a minha babá. Ela prometeu que iria me adotar.
De repente os dois fizeram uma cara estranha,a mulher se levantou e acenou para a diretora.
-Temos um problème! -Disse a mulher para a diretora. -Cette fille está dizendo que uma tal de Annè já vai adota-la. Como vamos adotar uma criança que non está disponível?
-O que ela disse? -A diretora encarou Luna. -Não,essa garotinha está aqui há quase um ano,e essa Anne,a antiga babá me disse que não teria como adota-la agora,pois não tinha condições.
-En outre,ensine para essa petite fille,que mentir é muito feio! Non posso adotar uma criança que aprendeu a ser desonesta com apenas seis anos de idade. -E se levantou,nervosa. Luna não estava entendendo o que estava acontecendo,o que ela tinha falado de errado?
-Espere senhora Marie,vamos conversar sobre isso. -A diretora falava,tentando conter a raiva. -Só foi um pequeno mau entendido!
-Non,eu já me decidi. Estou indo embora,vamos Pierre!
E foi embora,batendo os pés com força,deixando todos na sala olhando,espantados com a cena.
-O que você fez Luna?
-Eu não fiz nada senhorita Lourdes,juro!
-Me acompanhe para fora da sala Luna,agora. -Luna estava completamente assustada. Definitivamente ela estava de castigo.
Quando elas saíram da sala,Luna foi encaminhada até o seu quarto. -Você vai ficar trancada no seu quarto até o horário da visita acabar,amanhã eu decido o que farei com você,sua pequena mentirosa!
-E puxou Luna pelo braço,a sentando com força em sua cama. -Sua incapaz,você não consegue seguir regras simples? Não é capaz de ser amigável? Talvez não seja capaz de nunca ser adotada também.
-Mas... -Luna tentou se explicar.
-Nada de "mas". Agora fique ai sozinha,reflita seus erros. -E saiu batendo a porta e resmungando baixinho. -Essa incapaz vai me dar muita dor de cabeça e mais papéis para assinar. "Luna,a incapaz",era assim que devia se chamar. -E sua voz foi se afastando no extenso corredor.
Essa foi a primeira vez que Luna foi chamada de incapaz,a primeira de muitas vezes. -O que ela tinha feito de errado?-Ficava pensando. Se encaminhou para a janela e olhou pro céu,se sentindo numa prisão com aquelas barras grossas na janela. O que ela faria para ter sua liberdade de volta?
Sentou no chão,abraçou os joelhos e chorou até Lúcia aparecer no quarto,duas horas mais tarde...

Luna,a incapaz.Onde histórias criam vida. Descubra agora