Forasteiros na cidade grande são os únicos dispostos a revelar os segredos enterrados por aqueles em quem não se pode confiar.
Taehyung era o forasteiro, empurrado para o emaranhado de fios contendo segredos daquela maldita noite de dezembro de 1984...
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Deve haver algo além de morrer e apodrecer.
É só isso? Você só morre?
Tae encarava o corpo sem vida perante si. A convicção da morte se deu a partir do momento em que seus olhos testemunharam a brutalidade de uma vida consumindo outra. Cada entranha invadida por micros vermes famintos pelo sabor azedo do animal morto.
Pobre gatinho. Vítima de uma maluca inconsequente.
A anciã permaneceu calada e acanhada a poucos metros dele. Era ignorante ao ocorrido até Taehyung bater em sua porta, questionado sobre cheiro.
Certamente o animal estava doente, e a senhora, dona de uma dezena significante de felinos, não se deu conta da condição precária dele. Para a sua sorte o odor da carcaça do animal passeou pelos tubos de ventilação do prédio velho até que se fizesse presente em todos os cômodos do apartamento dos Kim.
Foram dois dias! Impiedosas horas compartilhando o mesmo espaço que o visitante indesejado, até que a tolerância do rapaz explodiu em passos ágeis e olfato aguçado até andar inferior, onde a senhora dividia a residência com mais vinte gatinhos magros e tristemente doentes.
A sala era uma prévia do que havia nos quartos. Taehyung preferiu permanecer ignorante, não havia curiosidade, a única coisa que queria era sair dali o mais rápido possível, mas antes...
— Acha que consegue pegar ele? — a senhora se pronunciou, ainda acanhada. A voz fina e nada melódica causou um estranho zumbido no ouvido do rapaz perturbado.
Tae continuou estático, com as mãos apoiadas no quadril, postura dura pelo desconforto, feição torcida expressando a repulsa e o coração descompassado dentro do peito, arrependido por ter prestado ajuda, claro que a pontinha de piedade não era pela vizinha e sim pela carcaça fedorenta repousada sobre o carpete do armário de vassouras. Garfield, felino antes gordo de pelagem laranja e olhos verdes, que tinha um gosto peculiar para frutas.
— É... — Ele hesitou, umedeceu os lábios e suspirou, tão devagar quanto o ultimo suspiro de um doente em seu leito de morte. Repensou, trocando o peso do corpo de um pé para outro. Por fim, reuniu um pouco da coragem que tinha para encarar a anfitriã de olhos tristonhos. — Preciso de luvas e um saco de lixo... E se for possível, algum produto que ajude a tirar o cheiro.
A senhora assentiu, foi inevitável que sorrisse de alívio. Um rapaz gentil como aquele jamais seria capaz de recusar descartar seu pobre Garfield.
Já equipado, Taehyung engoliu o nojo, se aproximou do animal e o tomou entre as mãos com um leve receio de que ele pudesse se desfazer entre elas. Ao erguer-lo, o embrulho no estômago foi instantâneo, uma mancha preta pintava o carpete cor de creme, os vermes tão gordos que mal conseguiam se mover, o esqueleto já visível na parte superior da cabeça e costela. Tudo isso evidenciava o destino cruel e macabro de uma vida.
