1 • Ruína

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Pov Daemon

Retornar a minha antiga casa ancestral em Valíria tornava a minha existência cada vez mais miserável. A cada 50 anos eu voltava ao lugar onde eu nasci, não para relembrar a família que eu havia perdido, pois isso era impossível de esquecer, mas para me torturar por eu estar "vivo" e eles não. Todos os cômodos desse castelo silencioso e abandonado traziam memórias vividas à minha mente, memórias felizes e outras tristes, e eu gostaria de esquecer ambas.
As memórias felizes eram as piores, ter podido um dia sentir a felicidade e de repente vê-la escorrer por entre meus dedos...essas memórias me rasgavam por dentro, destroçavam cada pedaço do meu ser imortal, e isso jamais mudaria, acredite em mim, eu já tentei de todas as maneiras possíveis fazer com que meu cérebro parasse de se lembrar. Eletrochoque, lobotomia, um rifle, um machado, nada me fez esquecer, essa merda de cérebro se regenerava toda vez, apenas a morte eterna poderia me fazer esquecer, mas... se eu os esquecesse, quem se lembraria de seus nomes e de sua história? Essa era a cruz que eu deveria carregar, eternamente.

Segurando um candelabro velho com uma vela acessa, eu subo os degraus da escada e paro na metade do caminho por um segundo, me recordando de que foi aqui que meu corpo esteve antes de ser trazido de volta, feridas exteriores regeneradas, e um corpo amaldiçoado, para sempre com 39 anos. Volto a subir até atingir o topo da escada, com meus passos pesados fazendo barulho pelo caminho. Se Viserys estivesse aqui ele teria reclamado do barulho das minhas pegadas, perguntaria o que teria me causado tanta raiva a ponto de eu descontar no chão. Solto um barulho que deveria ter sido uma risada, mas ela sai distorcida.

"É porque você não está aqui irmão." Com a voz embargada falo com o vazio e ele me responde em silêncio.

O castelo tinha muitos andares, e aqui no terceiro andar ficava o meu aposento e esse era o meu limite, eu nunca subo para o quarto andar, pois é onde fica os aposentos do meu irmão Viserys e de seus filhos. Se eu fechasse os olhos ainda poderia ouvir a risada das crianças. Baelor tinha 12 anos, Visenya tinha 10 e Baelon tinha 1 ano, quando nossos inimigos decidiram exterminar toda a minha família enquanto eles dormiam. Suas risadas dão lugar aos gritos nas minhas lembranças, e raiva toma conta do meu corpo. Um jarro é a primeira coisa que eu vejo pela frente antes de jogá-lo no chão. Com minha força sobrenatural eu dou um soco na parede, afundando minha mão na pedra como se ela fosse areia, a pedra racha, abrindo um buraco maior do que o meu punho, mas eu não sinto nada. Gostaria de sentir.

A luz da lua entra por uma das janelas, deixando o ambiente ainda mais melancólico, iluminando as poeiras que dançam no ar. Volto meu olhar para a porta do meu aposento, que é a segunda a direita, vou até ela e destranco a fechadura, empurrando a porta e entrando no cômodo. Esse aposento pertencia a mim e a Laena, minha esposa. Nos casamos por dever, mas com o tempo passei a amá-la, e ela a mim. Ela certamente foi uma boa esposa, linda e carinhosa. Nós não tivemos filhos, mas o tempo que eu tive com a Laena foi valioso, eu levaria sempre comigo. Sua imagem morta em nossa cama, esfaqueada várias vezes na barriga aparece em minha mente, eu tento controlar minhas emoções e respiro fundo, afastando a imagem imediatamente.

O cômodo está exatamente do jeito que eu deixei dá última vez que estive aqui, há decadas atrás. Pilhas de livros pelo chão, cortinas fechadas e bloqueadas pela minha antiga cama que agora era inútil, já que no lugar da cama, no centro do quarto estava meu caixão, onde eu dormia, o qual foi confeccionado com as cores da casa Targaryen, seu interior acolchoado de seda vermelha, e seu exterior feito de madeira maciça e pintada de preto, contava com adornos de ferro, e o símbolo dos três dragões se encontrava na parte superior.

Desde que nossos inimigos conspiraram contra nós e vieram nos matar, o castelo ficou abandonado, nunca os interessou o nosso castelo em si, pois eles tinham os seus próprios. Os covardes tinham medo da nossa prosperidade e inveja do poder de nossa casa, éramos uma ameaça para eles. Eles só erraram em não ter certeza de que tinham me matado naquele dia, e o seu descuido custou caro. Eles me conheceram de verdade quando os fiz uma visitinha numa noite chuvosa. Os traidores Lannister, extintos. Os traidores Baratheon, extintos. Obra minha. Minha vingança. O sabor da vingança foi quase tão bom quanto o sabor de seus sangues em minha boca. Mas os miseráveis dos Hightower, os que roubaram nossa coroa e reinavam em Valíria até hoje, eles se prepararam, eles já estavam sob aviso depois de seus cúmplices sofrerem com as consequências. Isso deu tempo para eles se prepararem, fortificaram seu castelo e ao que parece, encontraram outro vampiro como eu e o torturaram, fazendo-o contar todos os segredos sobre a nossa existência, tudo sobre os pontos fracos de nossa espécie. Então eu não poderia arriscar que me pegassem, por enquando me bastava saber que todas as gerações deles viviam em constante medo de que eu entrasse por suas janelas e rasguasse todos ao meio.

Piso em alguns papéis que estavam pelo chão, algo chama a minha atenção e eu me inclino para pegar. Ah, sim, eu me lembro. Depois que fui transformado, passei 100 anos procurando alguém, na esperança de que eu não tivesse sido o último. 100 anos de pesquisa e pistas falsas. 100 anos de falsas esperanças, até que decidi aceitar o meu destino. Talvez esse seja o meu castigo por não ter conseguido ajudar minha família. Condenado a vagar sozinho, dormindo nas ruínas do lar da minha família.

Meus olhos voam para as janelas fechadas do meu quarto, os meus sentidos de vampiro avisam que o sol se aproxima, é hora de dormir. Apoio o candelabro em cima de uma cômoda antiga, e volto para o local onde irei passar o dia, ergo a mão e abro meu caixão empoeirado, me acomodando dentro dele e fechando-o, sendo abraçado pela escuridão.

Após pesadelos misturados com memórias infelizes, eu sonho com uma menina de cabelos platinados, ela aparece na minha frente usando o colar de rubis que uma vez me pertenceu mas que foi perdido. Ela o arranca do pescoço e o joga no chão. Era como se eu a conhecesse e ao mesmo tempo não. Eu sinto a dor através de mim, como se eu a estivesse perdendo, como se aquela garota tivesse afundado uma faca flamejante no meu coração. Eu falo seu nome, mas eu não consigo ouvir a minha voz. Ela vira de costas e sai andando, se misturando com a névoa e sumindo diante dos meus olhos.

Eternal Bound | DaemyraOnde histórias criam vida. Descubra agora