PRÓLOGO

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O uivo agudo da sirene cortava o ar com urgência. O som era penetrante e reverberava pelas ruas da Metrópolis, ecoando entre os prédios e causando uma sensação de alarme. As pessoas se afastavam, olhando ansiosamente na direção de onde o som estava vindo, enquanto o veículo de emergência se aproximava em alta velocidade. Dentro do veículo, os socorristas se organizavam para tentar estabilizar a vítima que estava entrando em estado de choque após ter sido baleada.

A cada segundo que passava, a chance de salvar aquela pessoa com vida tornava-se cada vez menor. Os socorristas faziam o que podiam enquanto o motorista tentava contornar o trânsito corriqueiro da capital, São Paulo, uma cidade que nunca descansava. Quando o motorista avisou que estavam próximos de uma unidade de pronto atendimento, a Santa Casa, todos os demais dentro do veículo se organizaram para dar entrada com a paciente que, naquele momento, estava desmaiada devido aos graves ferimentos causados pelo projétil que a atingira. O motorista estacionou e os médicos e enfermeiros da unidade estavam prontos, aguardando o desembarque. As portas traseiras do veículo foram abertas e os demais saíram, descendo a maca onde a vítima se encontrava.

— Paciente do sexo feminino, com idade aproximada entre dezesseis e dezoito anos. Grávida, ela perdeu muito sangue durante o trajeto e está apresentando sinais claros de choque devido à perda sanguínea. — O socorrista narrou, enquanto acompanhava os médicos empurrando a maca para dentro da unidade. — Ela foi baleada durante um ataque à escola, durante o período de aula. O tiro acertou a cabeça.

Os médicos decidiram que a melhor abordagem para tentar reverter aquele caso e salvar tanto a paciente quanto o bebê em seu ventre seria estabilizá-la e encaminhá-la diretamente para a cirurgia. Durante três longas horas, travou-se uma batalha para reverter o que havia acontecido. O tiro acertara a cabeça da paciente na parte de trás do crânio, e o projétil se estilhaçara e espalhara, ainda em movimento. Isso impediu os cirurgiões de fazerem a retirada completa, limitando-se a remover apenas os fragmentos superficiais. A todo momento, monitoravam os batimentos cardíacos da mãe e os batimentos fetais, pois o choque e a perda de sangue poderiam afetar o bebê, que estava estimado para estar no sétimo mês de gestação.

Enquanto a paciente estava na sala de cirurgia, seus responsáveis legais chegaram ao hospital desesperados. A mãe da vítima, aos prantos, implorava para que os recepcionistas a deixassem ver sua filha, mas ela ainda estava em cirurgia e não podia receber visitas. O pai da paciente exigia uma explicação sobre o que havia acontecido e alguma informação sobre o estado de sua filha.

— Olhem, senhores, tudo o que podemos informar agora é que sua filha foi encaminhada diretamente para a cirurgia na tentativa de conter o sangramento cerebral. O tiro acertou a cabeça dela. Ela ainda está com os médicos, então terão que aguardar o final do procedimento para obterem uma resposta mais clara sobre o estado em que ela se encontra.

— Mas como isso pode acontecer? — indagou a mãe dela, desesperada, com lágrimas descendo pelo rosto, mãos trêmulas e lábios perdendo a cor. Era evidente que a senhora seria a próxima a precisar de atendimento médico caso não fosse acalmada.

Naquele instante, as portas se abriram e um rapaz com sangue nas mãos e nas roupas entrou. Seus olhos demonstravam o desespero nítido em suas feições, seus lábios estavam retorcidos e sua pele pálida, acompanhando seu estado de pânico. Antes que ele pudesse abrir a boca para dizer alguma coisa, foi acertado por um soco do pai da paciente que estava sendo operada, fazendo com que ele cambaleasse para trás. Ambos os homens foram afastados e as trocas de acusações começaram.

— Eu vou pegar você, seu filho da puta! Eu vou te pegar! O que você fez? Olha o que você fez com a minha filha! Seu filho da puta! — esbravejava o senhor, que estava sendo contido pelos seguranças. Dois paramédicos seguravam o rapaz que havia dado entrada na emergência.

— Eu não queria acertá-la! O tiro não era para ela, eu não queria. Ela está viva? Ela está bem? Eu não queria! — a voz do rapaz, acompanhada pelo tom assombroso e desesperado, ecoava, deixando claro que ele era o autor do disparo que havia acertado a paciente.

O hospital ficou em silêncio durante a troca de ofensas entre os dois homens. Os demais pacientes assistiam aquilo com horror em seus olhos. Naquele momento, a polícia já havia sido acionada e não demorou até que as viaturas estivessem estacionadas na frente do hospital. O rapaz que havia sido acusado de ser o autor do disparo foi direcionado a uma delas para conter os ataques entre ambos e também para averiguar a ocorrência.

Quando a paciente finalmente foi liberada para o quarto, o médico responsável pelo caso dela e seu atendimento operatório se encaminhou até a salinha onde os pais dela haviam sido colocados. Ele engoliu em seco, demonstrando um notório desconforto por ser a pessoa que estaria ali para contar a eles sobre a situação em que sua filha se encontrava. Ao entrar na sala, foi surpreendido com o levantar apressado da senhora, que veio em sua direção, agarrando suas mãos com força e olhos chorosos.

— Como ela está, doutor? Precisamos saber como nossa menininha está, e o nosso netinho. Eles estão bem? Por favor, doutor, nos diga! — Suplicou ela.

— Estão estáveis agora. O sangramento foi contido no momento, mas devemos informar que a cirurgia não pôde ser realizada por completo devido ao movimento do restante do projétil. — O médico pausou, umedecendo seus lábios, distanciando então cuidadosamente suas mãos das da senhora. — Ela teve uma parada cardíaca durante a vinda para cá e perdeu muito sangue devido aos ferimentos. Mas está estável agora, e o bebê também está. Ambos ficarão sendo observados, e devemos esperar até que ela esteja totalmente estabilizada para realizarmos um segundo procedimento. Devemos torcer para que a hemorragia não se estenda internamente. Ou, em casos piores...

Antes que o médico pudesse concluir, o choro e os soluços da senhora o interromperam. Seu marido a envolveu, tentando consolá-la. Ele sabia que, naquele momento, eles prefeririam o silêncio a continuar ouvindo que, se sua filha tivesse uma segunda parada, talvez tanto ela quanto o bebê viessem a falecer. Ou que, em casos como aquele, ela poderia simplesmente entrar em coma ou acabar tendo uma morte cerebral, o que era o mais comum em situações assim. Mas tudo o que podiam fazer naquela altura era aguardar.

Esperar que um milagre salvasse sua filha daquele destino cruel. Uma menina com sonhos e uma vontade intensa de viver, que, dias atrás, estava caminhando no Brás, no centro de São Paulo, procurando roupinhas e outros objetos infantis para decorar seu quarto, que iria dividir com seu bebê. Ela estava próxima de se formar e começar as provas para tentar uma boa faculdade. Mesmo diante de tudo o que teve de enfrentar, ela nunca pensou em desistir.

Talvez a morte fosse seu merecido descanso, depois de tanto lutar em vida.

RETRATO URBANO - VOLUME 01Onde histórias criam vida. Descubra agora