CAPÍTULO O1

2 3 0
                                    

O branco estava presente naquela ocasião, nas paredes, nos pisos, nas cortinas e até mesmo nos lençóis, que agora estavam manchados com o vermelho do sangue da paciente, Cícera da Cruz. Uma mocinha nordestina que tinha acabado de trazer ao mundo mais uma vida. Ao seu lado, seu marido, um rapaz trêmulo agarrado ao chapéu, quase sem cor em seu rosto e lábios, era Sebastião da Cruz, que lutava para permanecer acordado, dando todo o apoio que sua amada 'Cicí' necessitava naquele momento.

O médico segurou o recém-nascido em seus braços, uma menina corada e resmungona, que com leves batidinhas em suas costas nuas, desabou a chorar. O choro trouxe calmaria para o coração de Cícera e alegria para o rosto de Sebastião. Era o primeiro filho do casal e também o início de sua história, que começava naquele dia 20 de janeiro de 1953, às nove horas da manhã, no interior do Ceará, em uma cidadezinha chamada Caririaçu, no sertão brasileiro. As enfermeiras que estavam presentes também puderam auxiliar o jovem casal naquele momento, quando a menina nascida foi enrolada na toalha e entregue aos braços frágeis e miúdos de Cícera. O mundo ao redor deles pareceu ganhar cor. As mãos trêmulas do pai puderam então acariciar as bochechas da criança, enquanto a mãe sorria de orelha a orelha, tentando conter suas lágrimas.

"Maria Rita", afirmou ela, deslizando seus dedos até tocarem os de seu marido. Ambos puderam trocar olhares de carinho. Cícera teria escolhido aquele nome muito antes mesmo de pensar em engravidar ou se casar. E agora, finalmente com sua 'cabritinha' nos braços, ela poderia ser a mãe que sempre sonhou.

E como era esperado, Maria Rita desabrochou e cresceu rapidamente, esbanjando alegria e otimismo. Mesmo vivendo uma vida injusta e muito pobre ao lado dos pais, Cícera trabalhava como costureira para agregar à renda do casal. Ela fazia desde a barra de uma calça até um bordado bonito. Enquanto isso, Sebastião trabalhava no campo com seus irmãos e, às vezes, se metia em novas empreitadas como ajudante de pedreiro, sempre que precisavam aumentar ainda mais a renda da família. Afinal, conforme a menina crescia, mais cuidados ela exigia. Ainda assim, em seus sete anos de vida, ela costumava ajudar seus pais nos afazeres. Em casa, Ritinha, como acabou ficando conhecida em sua família, ajudava na limpeza e também com a comida. Ela gostava de ficar ao lado da mãe quando estava cozinhando, observando-a manusear com maestria os utensílios que Cícera dizia serem muito afiados e, por isso, deveriam ser manuseados com cuidado. Ritinha também ajudava com os animais que seus pais tinham no terreno de casa: um galo, uma galinha, uma cabra e um bode. E a vaca que vivia tentando comer os lacinhos no cabelo da menina.

Quando estava com seu pai, Ritinha também tentava ajudar, mas o serviço que ele fazia muitas vezes era perigoso demais e cansativo demais. Não era considerado adequado para 'mulheres', como ele sempre frisava. Assim, ela passava mais tempo apenas observando ou brincando do que ajudando. Os pais dela sonhavam em melhorar financeiramente e dar mais para sua menina. Eles não queriam que ela crescesse em meio a tanta pobreza como eles, seus avós e bisavós. Sonhavam com ela estudando, se formando, se casando e tendo uma vida feliz, sem muito sofrimento. Sem precisar se submeter a todo tipo de coisa para sobreviver, durante um jantar após um longo dia de trabalho árduo e cansativo tanto para Cícera quanto para Sebastião, Ritinha se encontrava à mesa com seus pais, ainda muito nova para entender o que tanto conversavam.

— Tião, não podemos acreditar em tudo que seus amigos dizem. — Resmungou a mulher, enquanto colocava o feijão no prato, em cima do arroz branquinho e soltinho que ela havia recém feito. — E se formos? Não teremos ninguém lá, não temos parentes, ficaremos desamparados e com duas crianças.

Cícera estava grávida, mas Ritinha ainda era muito novinha e inocente para saber como funcionava a gravidez, ainda mais quando a barriga nem sequer tinha ganhado forma ou aparecido. Eles não estavam planejando aquele bebê, mas Cícera acreditava fielmente que se Deus estava dando para eles mais um filho, mesmo na situação em que estavam naquele momento e nas dificuldades que vinham vivendo, ele tinha seus planos e ela nunca seria capaz de interromper. Deus estava no controle de tudo, era o que dizia para si mesma.

RETRATO URBANO - VOLUME 01Onde histórias criam vida. Descubra agora