CAPÍTULO O3

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— Ah! Vamos, Ritinha. — insistia Carla, enquanto sua melhor amiga parecia distraída com um pássaro construindo seu ninho sobre o galho da árvore que cobria ambas com uma sombra. — Você nunca sai de casa, está sempre ajudando seus pais com seus irmãos, com a casa. Vai ser divertido!

— Não sei se é uma boa ideia. — Rita desviou seus olhos, encarando a menina de rosto arredondado com grandes óculos redondos, destacando seus olhos cintilantes em um castanho vivo. Carla era uma menina muito bonita, com cabelos volumosos e cacheados, lábios carnudos e desenhados, curvas acentuadas para a idade e um gosto duvidoso para homens. — Sabe que minha mãe não gosta que vá a esses lugares, ela sempre se preocupa.

— Vamos, é seu aniversário! Poxa. Vai ser muito divertido e, além disso, não precisamos ficar até muito tarde. Podemos ir para minha casa depois da festa, e você dorme lá.

— Vamos? — Ela se ergueu do banco onde estava sentada na pracinha próximo a sua casa. Teria ido encontrar com a amiga depois do almoço e agora estava escutando a mesma falar pelos cotovelos sobre a festa que teria naquela noite. Quase todos da sua sala iriam, ou melhor, da sua escola. Era uma tradicional reunião dos jovens da sua idade, com direito a bebidas e outras coisas não tão lícitas. — Tenho que passar ainda no mercadinho do seu Felipe para minha mãe. Daí você pode me falar um pouco mais sobre essa tal festa enquanto vamos até lá.

Carla não iria desistir tão facilmente. Ela achava que Maria Rita precisava sair mais, aproveitar mais e não ser sempre tão certinha, a filhinha correta que os pais tanto esperavam. Claro, ela nunca seria capaz de influenciar sua melhor amiga a fazer algo prejudicial para ela, mas ainda assim achava que Rita precisava sair mais vezes, aproveitar mais e curtir mais sua adolescência. Não ficar trancada em casa, cuidando de seus dois irmãos mais novos, ajudando sempre com os afazeres domésticos sem nunca reclamar, resmungar ou questionar. Rita era a menina que todos os pais gostariam de ter; não é à toa que os pais de Carla gostavam muito dela e incentivavam a amizade das meninas, sempre enfatizando que ela era um bom exemplo que Carla deveria seguir. Ambas as meninas caminharam calmamente pelas ruas tranquilas do bairro. Passaram no mercadinho e foram em direção à casa de Rita para entregar o que Cícera havia pedido que comprassem: uma cartela de ovos.

Ao entrarem, Cícera estava sentada na sala diante da televisão desligada, mas com o rádio ligado, escutando as notícias. Diante dela, havia uma mesinha onde a máquina de costura deslizava sobre o tecido, seus dedos movendo-se cuidadosamente para evitar acidentes. Seus olhos estavam sempre atentos. No chão, Paulinho coloria um desenho com giz de cera, e José Luiz provavelmente estava brincando na rua, prestes a voltar cansado e agitado. Maria Rita se aproximou da mãe, após deixar os ovos na cozinha.

— Pronto, mamãe. Seu Felipe disse que esses ovos chegaram ontem, mas estão fresquinhos.

— Obrigada, minha filha. — Ela desligou a máquina, virando-se para olhar ambas as meninas com um sorriso nos lábios finos. — Oi, Carlinha. Como está sua mãe?

— Oi, tia Cici! Minha mãe está muito bem, obrigada por perguntar. — Carla respondeu, aproximando-se do sofá com Rita, onde ambas se sentaram. — Tia Cici! Ritinha quer te pedir uma coisa.

Carla mordeu a língua ao sentir a cotovelada da amiga acertar suas costelas, fazendo-a resmungar com um bico enorme nos lábios. Se ela não abrisse a boca, Carla continuaria falando sem parar. Assim, Rita suspirou e deu um sorriso amarelo para sua mãe.

— É, Carla queria que eu a acompanhasse numa festa que vai ter na casa de um colega nosso da escola. É uma festa de fim das férias, já que vamos voltar para a escola daqui uns dias. Mas eu disse para ela que talvez não fosse uma boa ideia e que preferia ficar aqui em casa com vocês, aproveitando meu aniversário.

RETRATO URBANO - VOLUME 01Onde histórias criam vida. Descubra agora