CAPÍTULO O4

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O corpo inquieto se remexeu de um lado para o outro; parecia que não estava tendo um sonho tão agradável. Sua respiração deixava isso ainda mais óbvio, com o peito subindo e descendo descompassado. Rita sentia uma sensação angustiante, mesmo sonhando. O suor grudava os pelos da coberta contra seu corpo; talvez fosse a hora de acordar. Seus olhos se abriram, ainda sonolentos e sensíveis à pouca claridade que entrava pela fresta da cortina do quarto de Carla. Carla estava esparramada sobre a cama, com um pé para fora e as unhas pintadas em um laranja florescente que doía aos olhos. Seus cabelos pareciam uma juba de leão, bagunçados e rebeldes, enquanto os de Rita estavam amarrados de qualquer jeito em um rabo de cavalo. Ela ficou durante longos segundos encarando a amiga, pensando se deveria ou não tentar acordá-la.

O relógio na cabeceira da cama apontava que já passava das nove da manhã, um pouco mais tarde do que ela estava acostumada a acordar em sua casa. Não se ouvia nada do lado de fora do quarto; talvez os pais de sua amiga ainda estivessem na cama. Afinal, era uma ensolarada manhã de domingo, e com certeza ninguém gostaria de estar acordado tão cedo num domingo. Rita se ergueu do colchão onde estava deitada, espreguiçando-se preguiçosamente.

— Carla? — Rita cutucou-a, mas a outra não se moveu um único centímetro sequer. Isso fez com que Rita soltasse um suspiro entre os lábios antes de virar as costas e seguir em direção à porta do quarto, atravessando o corredor que separava o banheiro de outro cômodo. Ela entrou no banheiro, fechando a porta silenciosamente para não perturbar o restante da casa, que ainda estava dormindo.

***

Clarice encarou Sérgio, com os olhos mais uma vez carregados daquela depressão que sempre pairava entre eles. Um casamento que havia começado com tanta paixão e desejo agora se encontrava por um fio de se partir e acabar. No entanto, o divórcio, mesmo existindo, não era exatamente bem visto, especialmente pelas famílias mais religiosas. A família de Clarice sempre dizia que ela teria que permanecer ao lado de Sérgio até a morte, e perdoar todas as vezes em que ele a machucou também era sua obrigação. Sérgio nunca havia tocado em um único fio de cabelo de Clarice ou batido nela fisicamente, mas talvez a tivesse ferido mental e psicologicamente a ponto de roubar dela a alegria e o prazer pela vida, tornando-a uma mulher amargurada e, de certa forma, severa.

— E quando vai contar para eles? — Clarice decidiu ser a primeira a quebrar o silêncio constrangedor que sempre surgia quando um terminava de falar e o outro não sabia exatamente como responder. — Será muito bom para Alexandre trabalhar com você no escritório, mas espero que isso não atrapalhe os estudos dele.

— Ele dá conta. Comecei a ajudar meu pai no escritório com a idade dele, quando também estava na faculdade. Mas não sei se Roberto vai ficar muito satisfeito com essa escolha.

— Ele quer agradar a você, vai fazer qualquer coisa que você decidir. — Clarice bateu delicadamente o cigarro na borda do cinzeiro, trazendo-o novamente aos lábios antes de deixar a fumaça escapar. — Isso provavelmente fará com que ele assuma mais responsabilidades, afinal, ele dormiu na rua novamente. Não faço a menor ideia de onde ele está.

— Está aproveitando o final das férias; daqui a alguns dias, eles retornam aos estudos. — Sérgio deu de ombros, desviando o olhar para o belo quadro da família pendurado na parede e, em seguida, voltou sua atenção para Clarice. —Alexandre começa amanhã comigo.

Estava decidido: Alexandre trabalharia no escritório de advocacia da família Guimarães com seu pai e avô, para se acostumar com a dinâmica do local. Tanto Sérgio quanto Clarice acreditavam no potencial do primogênito, bem como em sua responsabilidade, inteligência e capacidade de lidar com assuntos importantes, inclusive acompanhando Sérgio em atendimentos aos clientes. Enquanto isso, Roberto seria matriculado em um curso extracurricular após as aulas, incentivando-o a seguir a vocação da família. Mesmo que até aquele momento ele não tivesse demonstrado grande aptidão ou vontade de ser advogado, às vezes parecia uma ovelha desgarrada, tentando seguir os passos do pastor, mas sempre trilhando seu próprio caminho.

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⏰ Última atualização: Jul 05 ⏰

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RETRATO URBANO - VOLUME 01Onde histórias criam vida. Descubra agora