Thirty-Two

1 1 0
                                    

Não havia como definir o que se passava na cabeça de Takumi agora, porque tudo aconteceu tão rápido que nem reagir soube.
"O Chang Foster, um garoto de uns catorze anos com pouca prática de magia, conseguiu vencer o demônio de Lauren e nos salvou. Não tem sentido! Não o diminuindo, mas ele não aparenta ter tamanha capacidade!".
Encarou por alguns instantes a figura do menino sentado na sala, mordiscando bolachas que trouxe consigo enquanto conversava com Peter.
"Ele não parece me reconhecer da vez em que nos encontramos na biblioteca. Nem sequer demonstra algo a não ser tédio nesse momento. Se ele soubesse o que fiz...".
Suspirou e focou novamente na mesa da cozinha. Levantou da cadeira e vagou devagar pelo espaço, a mente sobrecarregada.
Ren está desaparecido.
"Lauren" estava desmaiada na cama de seu quarto no segundo andar, sendo que Dirceu é quem está vigiando, e ela ainda possuía as marcas que o espírito deixou.
Chang Foster havia chegado com possíveis segundas intenções.
E se o demônio estivesse mentindo sobre Lauren estar viva?
"Está piorando ainda mais do que se espera, sinto isso".
De repente ouviu o recém chegado soltando uma risada na sala, e Peter adentrou a cozinha com uma cara nada boa. Ficou receoso de falar no início, entretanto não era o certo a exercer no momento.
-E então? Foi tranquilo?
-Não muito -pondera o mais velho, enchendo um copo d'água na torneira da pia. -Ele gosta mais de ficar comendo e me encarando daquele jeito esquisito do que falar.
-Sério que ele não falou nada?
-Ah, claro que sim -diz irritado, fitando o rapaz. -Ele zombou da gente não ter lidado com isso facilmente, disse que você é um abelhudo e outra coisa que não entendi direito e ficou furioso por eu não ter falado a verdade quando o encontrei na casa dos meus pais.
-Concluo que ele é um idiota poderoso.
Peter bebeu boa parte da água em um gole e respirou fundo, desmotivado.
-Ainda não sei como esse garoto chegou aqui, se é uma ameaça ou vai ajudar e o que raios foi aquilo lá fora.
-Céus, e você o ameaçou?
-Não tô com energia para isso, não mesmo. Tudo isso acontecendo de uma vez é... Pffft.
-Não é à toa que não conseguiu nada.
Takumi se levantou e foi à sala, sem se importar com um breve protesto do caçador.
E lá se encontrava o bruxo, mastigando outra bolacha com o maior tédio do mundo. Sequer focou os olhos escuros no mais velho, que sentou na sua frente com desgosto.
-Você deveria devolver para ele logo.
A voz dele o surpreendeu, ainda que sentisse o cheiro apaziguador do chocolate.
-Hein?
-Augusto deve estar se perguntando quando você voltará lá.
"Ele se lembra e ainda sabe do assunto, que guri sinistro".
-Isso não importa no momento.
-Eu sei, só espero que nada de errado ocorra, né?
-Sabe o quão ruim isso soa vindo de você?
Chang estreitou os olhos e sorriu torto, retirando outra bolacha do barulhento pacote cilíndrico.
-Sim, mas eu não sou o problema, eu te garanto.
-Ótimo. Agora preciso que você responda umas coisas, certo?
-Por que?
-Porque você chegou aqui, fez aquela coisa bizarra lá fora e cá estamos, você dentro da casa de um caçador.
-Tsc, como se ele fosse me fazer mal depois do que viu.
Takumi se curvou levemente e encarou o visitante com dureza.
-Ele já lidou com coisas mil vezes mais assustadoras do que um moleque que se faz de difícil, isso te garanto.
-Sério? Pelo o que vi, não se prova verdade. Vocês estavam apanhando de um demônio -sem hesitar, Foster enfiou a bolacha toda na boca e mastigou rápido, guardando o pacote no bolso do moletom. -Hum... Quer saber? Acho que devo dar um pouco de crédito pra vocês.
Estranhou tais palavras.
-Por que?
-Fiquei cansado de ficar aqui sentado te encarando. Aquele demônio, bom, não era um demônio qualquer. Fico surpreso que tenham conseguido o segurar por tempo o suficiente até que eu chegasse.
-Quer dizer que soube do retorno dele ou que foi coincidência?
O jovem engoliu seco, a expressão séria.
-Eu senti que havia alguma coisa errada, na verdade...
O mais velho semicerrou os olhos.
-E como sabia o endereço?
-Um bom mágico não revela os seus truques -ele desfez o sorriso ao ver a careta do outro. -Mágica, uma de localização. Peter não percebeu que peguei um pedaço de uma roupa dele.
-Meio óbvio mesmo... Mas não entendo como chegou assim.
-Coincidência?
-Não foi, eu sinto isso.
-Tá bom... Eu... Eu sabia mesmo, sério.
-Explique.
Um suspiro escapou de Chang, que se pôs a falar em tom baixo.
-O espírito atingiu seu 100% e eu senti isso, tipo uma ligação. Ah... Como posso dizer? Ele estava em domínio total naquela hora, e a pessoa dentro do corpo estava... Hum...
-Estava o que?
-Não estava morta, mas não ali exatamente. Ela meio que saiu do corpo ou está inconsciente.
Não gostou nem um pouco da resposta, que só serviu para piorar suas paranóias. Passou a mão no rosto, exausto de tantos problemas. Aceitava o peso dos erros que cometeu... E céus, eram tantos!
-Cara, você não parece estar nada bem.
-Chang, não tem como eu estar bem, não depois de tudo o que houve.
-Eu sei, também não tenho sido muito feliz nos últimos tempos. Mas saiba que você ainda tem chances de ter isso de volta, já eu só posso me limitar a ir no cemitério.
Ficou pensativo, refletindo a afirmação.
-Você está certo, só que não sei o que fazer agora.
-Só que eu sei. Fui um irresponsável quando fiz aquilo para ela e quero consertar.
-É o mínimo que pode fazer, eu acho.
-Sim -murmurou após um breve silêncio, erguendo a cabeça, -então me deixe resolver, tá?
-Tá... Agora, quero apenas que me diga uma coisa.
-Fala.
-Me explique essa ligação entre você e o demônio.
O menino balançou a cabeça, incomodado.
-Precisa mesmo saber?
-Claro que sim.
-É uma coisa da minha família, ok? -diz entre os bufos. -A gente tem uma certa conexão com esse demônio em específico.
-E por quê?
-Ele... Ele era um negócio que pertence a minha família há várias gerações. Meio que um cão que usávamos para derrubar inimigos ou algo do tipo.
Um chiado escapou de Rivers.
-E você o usou contra uma inocente para prejudicar o cara que matou seu primo, creio eu. Não precisa se desculpar de novo, sério -corta o garoto que abriu a boca para lamentar. -Entendo que foi sem pensar e você quer arrumar isso, então, faça-o.
-E vou! Tá bom? Não aguento mais saber que fiz isso num momento onde eu deveria estar aceitando a dor, não tentando vingar ou... Sei lá...
"Nem ele suporta mais ouvir sobre, e compreendo esse sentimento".
-Tá certo, eu sei como é isso. Então...
-Vamos lá de uma vez, não adianta ficar conversando aqui.
O garoto levantou com tudo do sofá e foi à cozinha, as mãos no bolso do moletom e um ar confiante exalando de sua aura inconstante.
"Ele nem sabe no que está se metendo, e temo pelo o que terá de saber".

Máscaras e Demônios (Revisando)Onde histórias criam vida. Descubra agora