Prólogo

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Em breve o trem vai partir.

A garotinha se abaixa contra o piso, tateando as tábuas. Os dedos procuram habilmente por uma fenda específica, já conhecem o caminho. Um sorriso escapa dos lábios quando uma delas se solta das demais e há uma comemoração silenciosa.

Ophelia deixa a mão afundar na escuridão do vão e ergue-a outra vez, trazendo consigo uma pequena caixa. Puxando-a para junto do corpo, ela devolve a tábua ao lugar e levanta-se, sacudindo as roupas para se livrar da poeira. Espia dentro da caixa. Ophelia sorri.

Mas o trem vai partir em breve.

Ela corre, atravessando os campos da propriedade. Sobe, se pendurando nas trepadeiras até a janela aberta no terceiro andar e escuta a voz da mãe, conforme se aproxima. Joga a caixa dentro do malão e bate a tampa com força para fechá-lo, antes que a porta seja aberta abruptamente.

— Você tem cinco minutos para estar lá embaixo com seus irmãos. — a mulher diante da porta anuncia lançando-lhe um olhar tão frio quanto a cor azul de seus olhos. — Cinco minutos... Ou vai ser educada em casa.

Quando a mulher enfim desaparece de vista, a menina suspira aliviada e agarra o malão. Corre arrastando-o consigo, acertando-o contra os móveis. Salta alguns degraus despreocupadamente e alcança o hall de entrada quase no limite de seu apertado prazo.

— Vamos. — a mulher reaparece, dessa vez acompanhada por um pequeno e velho elfo doméstico. A criatura carrancuda, curvada por causa da idade avançada, põe sua atenção inteiramente sobre a figura de Ophelia e balança a cabeça, puxando a barra do saiote da mestra. A mestra encara também, avaliando a menina da cabeça aos pés. — Seus sapatos estão sujos, Ophelia.

A criança baixa a cabeça. A mãe leva o indicador ao queixo da filha, levantando-o e absorvendo cada micro expressão em busca da verdade. Althea tem as pálpebras ligeiramente caídas, com um olhar penetrante e amedrontador. Sabe que Ophelia adora mentir. Confere o relógio e desiste, entrelaçando as mãos na frente do corpete e virando-se para o mais alto dentre os garotos também aguardando ali.

— Benedict, ajude sua irmã com o malão. — torce o nariz fino e reto, dando as costas e caminhando para fora do cômodo e consequentemente, da casa.

— Parabéns, Ophelia. Seria pedir demais que não desapontasse a mamãe ao menos uma vez? — pergunta o outro rapaz com uma expressão de chateação em seu rosto oval e pontiagudo. As bochechas eram marcadas e proeminentes, como as da mãe. Na verdade, tudo sobre ele era definitivamente moldado à semelhança de Althea.

— Não seja maldoso, Magnus. É o primeiro ano dela, está nervosa. — responde Benedict, ao que seu irmão apenas lhe lança um olhar ofendido por se opor às suas palavras. Benedict, no entanto, não demonstra a menor preocupação, agarrando a irmã num braço e o malão no outro. Os três saem de casa e adentram um carro preto, cujas janelas estavam completamente fechadas e assim permaneceram.

Não tinham idade para aparatar e Althea odiava realizar aparatação acompanhada. Aliás, odiava qualquer motivo capaz de obrigá-la a ter contato com os filhos. Usar aquele transporte trouxa era um ultraje, mas uma dor de cabeça menor do que ter que lidar com suas proles. Nos anos anteriores, havia conseguido evitar com sucesso sua ida à plataforma 9¾. Naquela ocasião porém, seus superiores no ministério não tiveram a mesma percepção e acreditaram, erroneamente, que Althea precisava de uma folga para acompanhar os filhos.

Ophelia observa as ruas por onde passam. Tudo é cinza e tem um toque de tristeza em sua essência. Por muito tempo, se questionou se a vida seria apenas isso: o tédio e infelicidade que corrompem o mundo ao seu redor. Deixou de lado suas expectativas porque, com certeza, Hogwarts seria igual à todos os lugares que já havia conhecido. Provavelmente tão cinza como o resto do mundo. Seu mundo.

Ouve-se um som. O relógio de Althea fazendo tique-taque sobre sua mão magra e impetuosa.

O trem estava prestes a partir.

Saem do carro, carregando suas coisas. Há cortesia, elegância e sofisticação em tudo o que a família Brooke faz, até mesmo chegar atrasado. Existe uma tranquilidade e beleza em seus modos, os tornando semelhantes a uma dança coordenada.

Chegam à plataforma, empurrando seus respectivos carrinhos. Malas, corujas e crianças se espalhavam por todo o lugar, enquanto a locomotiva apitava. Os mais velhos se despedem das crianças e as mães abanam lágrimas de suas faces.

Ophelia não espera receber tais lágrimas, despedidas calorosas ou sequer palavras de encorajamento. Por isso, assim que pode, arrasta sozinha para dentro de uma das cabines seu malão e a gaiola da coruja, uma mocho-galego.

— Agora somos só nós, Trudy. — ela suspira, encostando a coluna contra o apoio do assento e repousando a gaiola ao seu lado. A corujinha pia animada e sacode as penas, piscando as enormes órbitas amarelas.

— Droga. Está ocupada. — a porta da cabine é aberta por uma garota. Ela espia Ophelia com desconfiança. — Qual seu nome?

— Ophelia. Ophelia Brooke. — a loira responde, acuada contra a janela.

— Brooke? Sua mãe é uma inominável, não é? E seu pai... — Ophelia assente timidamente. — Ótimo. Vamos ficar aqui. — diz por cima do ombro e entra na cabine, seguida por mais dois estudantes.

— Essa coisinha aqui é a sua coruja? Mal vai aguentar o peso das cartas, imagine os presentes! — a segunda menina que entrou, retira a gaiola do assento, medindo a pequena Trudy e tomando seu lugar.

— Não é uma coisinha. É uma coruja e estou perfeitamente satisfeita com ela. Não estou contando com presentes, de qualquer maneira. — Ophelia justifica, retirando a gaiola das mãos dela e repousando-a sobre seu colo. Se aquela ave falasse, certamente diria coisas pouco educadas sobre aqueles três.

Hum... Se você diz. — ela dá de ombros. — Sou Miranda Welch, a propósito.

— Pamela Parkinson. — a outra acrescenta.

— Khalid Shafiq. — o último, um garoto, emenda. — Desde a guerra a família Brooke só mantém contato com os Malfoy, não? Respeito isso. É justo. Mas sabe, o pirralho deles só vai para Hogwarts daqui à dois anos... — Khalid sorri.

— Tirou a sorte grande, Brooke. Acabou de conhecer as pessoas certas. Somos um grupo seleto, mas vamos abrir uma exceção para você. — Miranda pisca, lustrando as unhas nas roupas.

— Não se preocupe, Ophelia. Pode andar conosco. — Pamela esclarece, cruzando os braços. — A partir de hoje, será uma de nós. Isto é, se você for mesmo uma Brooke.

Ophelia franze o cenho. Sempre fora uma Brooke, o nome constava em sua certidão. Ora, o que significava aquilo?

— Vamos esperar até a seleção das casas. — Miranda diz, tamborilando os dedos sobre os joelhos. — Tem um sobrenome e sangue puro nas veias. Vamos deixar que seu caráter fale por você.

— Meu caráter? — Ophelia repete confusa.

— É. Exatamente. — Khalid apoia, um sorriso travesso crescendo no canto de seus lábios.

— Vão deixá-la assustada! — Pamela ri, divertindo-se. — O que querem dizer, é que gostamos de você. Seremos amigos.

Mesmo achando aquele pequeno grupo bastante esquisito, a afirmação da garota encontra um caminho direito para seu coração. Ophelia nunca teve amigos e possibilidade agradou-a profundamente. Suas expectativas para Hogwarts finalmente eram mais do que um filtro cinzento.

O trem apitou.

Partiu da estação.

Asas de Borboleta | Fred Weasley Onde histórias criam vida. Descubra agora