– Estamos aqui nos despedindo de...
Naquele local estava ocorrendo um funeral banal.
Todos estavam vestidos de preto, encarando aquela cena fúnebre, impregnados por aquela constante sensação de melancolia que era inevitável em todos os cemitérios. O vento frio do outono envolvia a todos os que protagonizavam essa cena, indiferente a isso.
Lá existiam pessoas tristes, pessoas fingindo tristeza e outras que olhavam com indiferença. Havia familiares, vizinhos, amigos, mas ninguém que fosse amante do defunto. Na verdade, eram poucos os que realmente gostassem do dito cujo, sua personalidade rabugenta dificilmente atraia a simpatia alheia. Embora, naquele momento, todos parecessem amá-lo temporariamente.
Seus filhos, que lá estavam, se pareciam muito com ele. Perfeitos estereótipos de jovens suecos: pele pálida, corpo mirrado, olhos de um azul bem claro e cabelos loiros – embora recentemente a filha mais velha tenha pintado os seus de ruivo.
A mais nova dos irmãos, Annika, já tinha sete anos e não mais aceitava explicações como "Papai foi para o céu viver com a mamãe, Querida." que conhecidos, compadecidos com a situação da menina, insistiam em falar ao vê-la chorar.
A mais velha se chamava Greta, e com seus vinte e sete anos forçava-se a parecer forte na frente de sua irmã mais nova. Agora ela era oficialmente a responsável pela família e só conseguia suportar tudo graças ao seu namorado, Erland, que a abraçava forte e a dava forças. Ele, apesar de ser bem mais novo que ela, conseguia lhe passar segurança.
E, envolto por três senhoras que faziam incessantes perguntas sobre sua vida, estava Gunnar. Ou Gunn como preferia ser chamado. Era o filho do meio e tinha dezoito anos. Ele sentiu certo remorso por perceber isso, mas não estava exatamente triste com a morte do pai.
Nove anos atrás eles eram uma família. Ele, seu pai, Greta e sua mãe. Mas assim como em outras milhares de famílias, a situação ficou tão insustentável que uma separação foi inevitável. Ele e sua mãe foram morar com seus avós que viviam um pouco longe, no extremo norte da Suécia. Já a sua irmã mais velha, que estava na faculdade, resolveu ficar em Örebro¹ com o pai. Uns anos depois nasceu Annika, filha de seu pai e de sua nova mulher, que veio a falecer três anos após o nascimento da menina.
O contato de Gunn com o pai era quase nulo, já que o homem quase nunca acompanhava as filhas quando estas iam visitar o irmão. Nunca foi dito isso em voz alta, mas era visível que eles não amavam um ao outro, não como se esperava de uma relação de pai com filho. Desempenhavam seus papéis mecanicamente, apenas isso.
Com o pai morto a criação da pequena Annika cabia à Greta, mas devido a sua vida agitada sabia que não daria conta sozinha, então ficou decidido que Gunn iria voltar a morar com elas.
Sentiu um frio na espinha, mas este logo foi sobreposto por uma enorme animação. Por mais que Örebro fosse frio, lhe trazia lembranças mornas e agradáveis sobre sua infância. Tinha certa saudade das antigas amizades. Erland, atual namorado de sua irmã, era seu melhor amigo naqueles tempos. Com os anos perderam boa parte da intimidade, esperava conseguir recuperá-la agora.
Gunn olhou para o lado e, a mais ou menos dois metros de distância, percebeu que um rapaz de cabelos negros abraçava e dava condolências à Greta. Aquelas bonitas feições não lhe eram estranhas, ao contrário, tinha certeza que conhecia aquela pessoa, mas onde?
Virou-se e discretamente perguntou a uma das senhoras quem ele era.
– Não se lembra dele? – os olhos da mulher brilharam. Pelo visto adora uma fofoca, pensou Gunn. – É o Kurt, irmão mais velho do Erland, aquele que sempre teve um ar meio delinquente!
O loiro então entendeu de quem se tratava. O tempo e a distância são realmente implacáveis, como pode esquecer o rosto que costumava inspirar a mais profunda admiração na criança que costumava ser?
– Meio? – falou uma segunda. – Ele é um mau elemento! Bebe, fuma, é violento como um animal e vive na farra. Quantas vezes ele já não foi pego fazendo sem-vergonhices com prostitutas ou com os amiguinhos pederastas dele em lugares públicos? Uma vida absolutamente desregrada, se fosse meu filho ele com certeza não seria assim!
A primeira voltou a falar.
– Isso bem é verdade, mas ele até que anda mais quieto, não é?
– Apenas porque anda ocupado, não é falta de vontade, acredite. Minha vizinha me contou que o pai dele lhe comprou uma casa de shows como presente pelo fim da faculdade ou algo assim. Que tipo de presente é esse? Sou do tempo em que se ganhava no máximo um carro e olhe lá. O pai o mima demais, por isso que esse garoto cresceu assim revoltado!
Gunn olhou atônito para as senhoras que falavam sem parar, e que pareciam ter esquecido completamente dele, até que a terceira senhora, que tinha ficado calada até agora, resolveu soltar seu veneno um pouco também.
– E o pior de tudo é que ele ainda é um assassino.
As duas senhoras a olharam assustadas durante um segundo até que pareceram entender do que ela falava, já o pobre Gunn tinha os dois olhos do tamanho de pires.
– Como assim? – perguntou espantado – Do que vocês estão falando?
– Isso é só um boato bobo – riu nervosa uma delas. – É que ele sempre foi violento, então sempre está sobre suspeita de qualquer coisa ruim que aconteça. Os fatos são que ele tinha um irmão adotivo. Chamava-se Kare, você chegou a conhecê-lo não é? Ele era uns quatro anos mais velho que você, mirradinho, meio lerdo...
– Acho que lembro vagamente...
– Bem, os dois brigavam muito. Um dia, no meio de um lugar cheio de gente, tiveram uma bem feia. No dia seguinte o Kare estava morto, afogado no rio que cruzava o terreno da família. – a senhora terminou de contar com o tom que parecia aqueles que usamos para contar estórias de terror.
O loiro arregalou mais os olhos, se é que isso era possível. O ídolo de sua infância era um assassino? Por que não estava preso? Por que ele fez isso?
– Não escute ela, Gunnar! – a primeira senhora, e aparentemente mais ajuizada, falou. – Vocês crianças sempre adoraram explorar aquela área para brincar. Foi apenas uma fatalidade que fosse inverno e que o menino não soubesse nadar bem. Kurt deu por falta dele e foi procurá-lo, não o achou e chamou a polícia. Tudo bem que o menino era problemático, mas assassino? Ai já é demais.
Gunn se sentiu terrivelmente aliviado, ele não tinha matado ninguém afinal.
Moveu seus olhos de encontro com Kurt e passou a observá-lo durante todo o resto do enterro. No final das contas agora provavelmente iriam conviver bastante, queria saber mais do moreno. Não se parecia nem um pouco com o retrato que pintavam dele. Ele era calmo, educado, bonito... e vestia-se muito bem, diga-se de passagem.
Mas algo lá no fundo lhe dizia para se manter afastado.
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Olá! Primeira vez que posto aqui no Wattpad, ainda estou me acostumando com o site. Beijos e espero que gostem dessa história tanto quando gostei de escrever ela.
Beijos
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Sant Tveksamt [ Romance Gay ]
RomanceVoltando a cidade onde nasceu Gunn reencontra não só família e amigos, mas também alguém que costumava admirar a distância. Deveria ele se aproximar? Deveria ele se permitir arriscar? Deveria acreditar em seu instinto, em seu coração ou nas pessoas...