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Rayssa.

Estou há horas sentada no chão da sala, ignorando a pilha de textos, sobre a mesinha de centro, que esperam — ao menos —  por serem lidos. Me entrego à uma espécie de transe, conduzido pela minha imagem refletida na taça de vinho que não paro de girar, vagarosamente.

Desperto de meu devaneio rindo: "Rayssa, você pretende beber esse vinho, ou vai apenas deixá-lo tonto?", questionei a mim mesma, como quem tenta retomar as rédeas da própria consciência.

O volume de trabalho, dividido entre a novela e uma série de campanhas publicitárias, e outros compromissos pessoais vinham servindo de pretexto para eu desviar da reviravolta de sentimentos e pensamentos  que há semanas — talvez, há meses — vinham tomando conta de mim.

Não consigo me lembrar há quanto tempo não me sentia assim: absorta. Logo eu, sempre focada, dona de mim, senhora das minhas vontades. De repente, as minhas vontades pareciam não conversar com a minha razão e há dias, quando me pego pensando em tudo, apenas me questiono: de que vale essa razão?

Venho assistindo, nas últimas semanas, meu relacionamento naufragando. Pedro sempre respeitou minha liberdade e, de repente, é como se essa liberdade me permitisse não mais voltar para seus braços. Embora eu esteja vivenciando isso com um fio de dor, pela primeira vez não estou me lamentando pelo fim iminente de um relacionamento. Mas não é exatamente isso que me toma os pensamentos!

Me volto para os textos sobre a mesa, lanço mão de lápis e marca-texto para iniciar a decupagem e encho a taça de vinho que me acompanhará nessa fase de estudo. Recebemos os textos para quase um mês de gravação, divido as cenas em externas e estúdio, com papéis autocolantes.

Em uma rápida passada de olhos me dou conta, com uma sensação de borboletas no estômago, de que quase metade das cenas terão Ísis e Giovanni  juntos. Respiro fundo e sigo para uma encadernação em separado: "ADENDO — Capítulos 45 e 47 — Cenas: Ísis e Giovanni  (Rayssa Bratillieri/ Filipe Bragança) — LOCAÇÃO: TERESÓPOLIS", e sinto meu coração descompassar, antes mesmo de seguir a leitura.

Fecho meus olhos e deixando abandonar, novamente, meu corpo apoiado no sofá, alcanço a taça de vinho e me permito, mais uma vez, ser tragada por ela.

"Desde quando apenas ver o nome dele ao lado do meu me causava tamanha efervescência?"

Filipe sempre foi um amigo querido, o que é quase um clichê no que diz respeito a ele, que facilmente é muito querido por todos. Quando nos conhecemos, em 2017, ele já era "Filipe Bragança" que, embora jovem e em início de carreira, já tinha mais nome e experiência do que a maior parte de nós (outros atores): a empatia foi imediata.

Nos preparávamos para sermos primos-irmãos e com poucas dinâmicas, em nossos primeiros ensaios, as cenas fluíam de forma natural. Filipe era tão carinhoso, zeloso e generoso comigo em cena, como fora dela.

Nossas horas passadas juntos voavam, de longe ele sempre foi uma das minhas melhores companhias naquele elenco. Conversávamos sobre tudo e até os assuntos mais sérios ficavam leves, diante dele.

"Lindo de doer!", comentávamos sobre ele, nos bastidores e Filipe seguia como quem sabia de seus predicados, mas não fazia caso disso. Entre todos que faziam parte da novela, ele, evidentemente, era quem estava em sua melhor fase. Diariamente surgiam novos fã-clubes e centenas de seguidoras aficcionadas, impulsionadas pelo seu desempenho na "Dança dos Famosos" e o crescimento de seu personagem dentro da trama de que fazíamos juntos. Ele era absurdamente carismático e usava isso em seu favor, em todos os sentidos.

Depois de um ano de convivência diária, trabalho, festas, ficou o laço que só consegui perceber a partir da distância. Cada vez que nos reencontrávamos era como se tivéssemos nos visto no dia anterior: o carinho, o cuidado eram os mesmos, a conversa fluída e as risadas soltas a partir de uma troca de olhares, diante de qualquer bobagem.

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