ᴛʀᴇ̂ꜱ-ꜱᴏᴢɪɴʜᴀ ɴᴏ ᴍᴜɴᴅᴏ

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O barulho da chuva trazia um ar melancólico para o ambiente, que parece estar mais escuro que o normal, já devia ser manhã, mas já perdi a noção do tempo nas últimas semanas em que fiquei deitada nessa cama, abraçada às almofadas da minha mãe. Eu ainda não entendia a situação e muito menos tinha energia o suficiente para tentar entender, nas últimas semanas não comi absolutamente nada, fiquei deitada por sabe-se lá quanto tempo ouvindo o barulho dos pingos da chuva e desejando que tudo isso não passasse de um pesadelo. Meus olhos estavam secos, meu estômago doía de fome e minha cabeça ardia de tanto chorar.

Acredito estar enlouquecendo ,nada faz o menor sentido, pessoas não desaparecem sem mais nem menos. Mas meus questionamentos são interrompidos por um ronco de fome que fazia minha barriga arder de dor, eu não podia continuar ali, mas não quero levantar sabendo que tudo aquilo que eu conhecia havia desaparecido.

- Aaaaargh... -eu me encolho de dor. Não aguentava mais, precisava me levantar, em meio a gemidos de dor eu tento me levantar, mas estou tão fraca que desabei no carpete, cheguei a cogitar desistir e ficar ali mesmo deitada no tapete, mas a dor da fome fala mais alto.

Me apoio com minha mão boa nos móveis que via pela frente, assim que chego na cozinha devoro um bolo inteiro, que foi a primeira coisa que vi pela frente. Não me importava se ele estava vencido ou não, a fome era tanta que comeria até um pedaço de pedra se pudesse.

Eu fiquei ali, sentada, por um tempo até recuperar minhas forças, olhei a minha volta e de repente me veio uma imensa vontade de gritar, mas pareceu que o grito se perdeu em minha garganta e então lágrimas se acumularam em meus olhos. Não conseguia compreender, porque todos sumiram, pra onde foram e porque eu fiquei, justamente quem menos queria estar aqui. Levo minha mão aos olhos para limpar minhas lágrimas, mas minha mão começou a latejar, a desenfaixo e por baixo daquele pedaço de pano a ferida estava esverdeado ,possivelmente por não ter limpado nos últimos dias, aquilo ardia e a carne pulsava.

Eu me sentia impotente, cansada, sem controle nenhum da situação e não gostava nenhum pouco de me sentir assim. Não podia ficar nem mais um segundo me lamentando e chorando pelos cantos, precisava fazer algo.

Com muita dificuldade me levando e vou em direção ao meu quarto, já mais fortalecida após comer um pouco, pego uma sacola de pano. Pensei em pegar as chaves, mas não era preciso trancar a casa.

Primeiro lugar que me vem em mente é a farmácia que fica na esquina. Passar pela estrada vazia me traz um estranhamento e o silêncio é insurdecedor. Reúno toda a força de vontade que ainda me resta, respiro fundo e vou até a drogaria. Para uma farmácia de bairro até que era bastante organizada, as paredes eram de um branco hospital sem graça e as prateleiras eram baixas demais, o que significa que precisaria me abaixar para pegar qualquer coisa. A minha frente há uma estante de remédios com nomes que se quer conseguiria pronunciar, mas havia uma ferida na embalagem, então deveria ser o que eu precisava.

Peguei alguns curativos que estava de trás do balcão de madeira. Eu não sabia como fazer isso, mas mamãe saberia exatamente como agir, ela passaria a mão em meus cabelos ,diria que ia ficar tudo bem e então arranjaria uma solução para tudo isso, mas ela não estava aqui e nunca mais vai estar.

Precisava ser forte e começar agir, pego o frasco do remédio e derramo quase todo em minha mão, aperto meu próprio braço me preparando para a dor, mas surpreendentemente não arde nem um pouco ,então pego um rolo de gaze e enfaixo minha mão que começou a ficar dormente.

Pego mais alguns frascos do remédio e jogo na sacola, já estou indo embora quando me deparo com uma infinidade de esmaltes, eu sei que parece fútil pegar tintas coloridas para unha, mas como já estava lá aproveitei e peguei alguns potinhos.

Na volta pra casa aquela vontade de chorar estava passando aos poucos, em parte porque já havia secado toda a água em meu corpo e em outra porque havia percebido que precisava fazer algo além de choramingar. Não queria continuar sem fazer nada.

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