19. HEREDITARIEDADE

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Meia hora depois, estamos mais uma vez acomodados nas rochas redondas. Fiquei surpreso ao saber — quando Richie, tendo reassumido sua forma humana, instruiu os campistas a desfazer todo o monumento esbraseante — que haleanos são capazes de aplicar o efeito reverso aos frutos de seus dons: Asha afagou o chão até que ele lentamente engoliu o álamo abarrotado de flores jamais vistas por inteiro, Sonja e o garoto meio invernal absorveram seus anéis de água de volta para dentro de seus corpos, e os demais estivais apanharam e retiveram em si a maior parte do fogo. Agora estamos de fato sentados ao redor de uma fogueira (uma fogueira comum), não mais em um único círculo grande, mas em vários que se sobrepõem como anéis de diferentes tamanhos.

Nim e eu estamos com Mei e seus amigos no círculo menor, mais próximo da fogueira, esticando gravetos finos com salsichas e marshmallows empalados para as brasas inofensivas.

— Acho que você pode ser um primaveril — teoriza Mei, arrancando um marshmallow chamuscado de seu graveto com os dentes. Por um segundo, eu quase espero que ela o cuspa no chão reclamando da quentura, então me toco de novo do óbvio e deixo pra lá.

— Por que acha isso?

Ela termina de mastigar e responde:

— Na sua primeira vez em Halel, o Criador o mandou para o Bosque de Primavera, e nada que ele faz é por acaso.

— Vai ver, meu destino era conhecer Nim.

— É, com certeza é isso. — Nim revira os olhos enquanto assopra uma salsicha em seu próprio graveto.

— Hoje você teve uma demonstração de todos os quatro dons. Não sentiu nenhum... sabe... algum tipo de magnetismo... quando viu um deles? — Mei parece esperançosa.

— Não. Richie me fez a mesma pergunta. Sinto muito.

— Não sinta. É problema seu, não meu.

Ela faz uma cara exagerada de desimportância e dá uma dentada em outro marshmallow.

Curvo as costas e assisto o fogo estalar diante de nós. Ainda não consegui parar para meditar nessa questão — o suposto dom (ou dons) que eu hipoteticamente deveria vir a descobrir em breve —, mas mesmo que tivesse conseguido, a conversa indicativa que tive com Nim no hospital não me deixou com muito material para alimentar essa ilusão.

Eu sou alguma coisa. Um "descendente experimental". Seja lá o que isso signifique.

— Vocês nasceram aqui mesmo em Halel? — pergunto, vagando para a outra parte de meus pensamentos. Quero aproveitar ao máximo meus últimos momentos de distração antes de ser consumido pela grande revelação que sei que está por vir.

— Eu não — diz Asha, encarando séria a fogueira. — Nasci em Mumbai, na Índia, em 1999. — Ela faz uma pausa e olha para mim com simpatia. Faço um breve cálculo mental apenas para me certificar de que, seguindo a cronologia do meu mundo, ela deveria ter bem mais de 16 anos, o que não é o caso. — Minha mãe era recepcionista no Taj Palace Hotel. Ela foi morta na noite do atentado, quando eu tinha nove anos.

Meus olhos se arregalam instintivamente, e ela ri. Encaro-a em choque.

— Sim, foi um acontecimento muito triste e trágico, e sei que não só para mim. Por mais jovem que eu fosse, tenho boa memória. — Ela fita o nada com uma expressão vazia. — Mas aí acabei vindo parar aqui. Quando conheci Elim, quando fiquei face a face com ele, todo meu sofrimento foi ofuscado por sua magnificência.

Ela me vê franzir a testa e complementa:

— Você só vai entender quando o vir. É o tipo de coisa que não se pode expressar em palavras.

NeblinaOnde histórias criam vida. Descubra agora