O céu estaria claro se não fosse a fumaça que pairava acima, na região em que estavam havia um centro de indústria fabricante de armamento no qual não paravam de produzir, era até um pouco difícil de respirar do lado de fora, quem dirá do lado de dentro, era sufocante. Em volta havia alguns galpões com portas de ferro, onde pessoas escravizadas ficavam amontoadas para dormir e comer apenas o suficiente para voltar ao trabalho. O lugar era horrível, árvores secas que a muito tempo não floresciam, o chão com terra seca e lixo espalhado e o céu sempre cinzento. Só lhe davam um lugar para comer e dormir para que não diminuísse o número de escravos para trabalhar em prol de um Reino que lhe tiraram tudo e que tiraria de muitos outros.
Honora olhou a sua volta de soslaio enquanto caminhava até a entrada da fábrica, avistando um jovem guarda na entrada. Olhando para a imensidão do lugar e a segurança que ali depositaram, era literalmente impossível algum escravo tentar fugir dali, era de se imaginar que se o local estivesse pegando fogo até mesmo os guardas teriam dificuldades de sair, já que não haviam túneis para saída de emergência, as janelas eram várias porém minúsculas apenas para deixar o ambiente minimamente ventilado e a única saída era a porta de entrada.
“São todos uns tolos” Honora pensou e balançou a cabeça negativamente enquanto voltava seu olhar para o rapaz que aparentava ter menos de 25 anos e levava a mão até a testa em continência forjada. Seus cabelos eram loiros, estava molhado aparentemente de suor. Seus olhos castanhos claros a encaravam com um ar interrogativo e com um leve desdém, o que não era surpresa para Honora, muitos homens duvidavam da capacidade da jovem de ter se tornado uma general tão nova. Mas isso era até eles a conhecerem a fundo e perceber a víbora que era, e se tinha algo que o Rei viu como uma qualidade, era a capacidade de matar um inimigo sem escrúpulos. O rei queria alguém destemido, corajoso, forte e que fosse inteligente o bastante para montar estratégias de guerra e que não tivesse compaixão. Ele esperava que encontrasse isso em uma figura masculina, mas em todos os treinos que tivera com os rapazes na juventude, sua habilidade e reflexos vinha aumentando de forma significativa que não era normal para uma mulher, para uma pessoa. O rei não teve outra escolha e aparentemente não se arrependeu.
-Quero falar com seu superior, estarei aguardando na sala dele -A jovem de cabelos negros passou pelo jovem guarda adentrando a fábrica onde sentiu o clima abafado e o cheiro de metal sendo derretido. Após caminhar alguns passos percebeu que o guarda não fez nenhum barulho e ao olhar por cima do ombro como esperado ele não havia se movido um centímetro. Honora respirou fundo antes que acabasse ameaçando o rapaz- Não sei se é leigo mas não vou sair perambulando pela fábrica procurando o SEU chefe, vá chama-lo imediatamente e diga que a General Honora Dauphis está o esperando -A jovem disse com um tom de voz seco e arrogante, encarando o guarda enquanto o mesmo se apressava para sair a procura do seu superior.
Ela voltou a caminhar pelo ambiente olhando tudo envolta, exceto as pessoas que ali trabalhavam. Barulho de aço sendo jogado, das correntes que prendiam o pulso e os pés das pessoas e vozes gritando para não pararem e alguns estalos de chicotes. Era tudo que se podia ouvir naquele lugar mal iluminado. Honora não se preocupou em olhá-las, já havia visto como era aquela situação diversas vezes e sabia que olhar não mudaria nada do que estava acontecendo. Ela seguiu seu caminho subindo a longa escada pensando na conversa que teria com Owen Carcinni, ele provavelmente ficaria surpreso com a visita de Honora, afinal, normalmente uma visita oficial era anunciada momentos antes. Porém a General havia convencido o Rei e o conselho de que uma vistoria surpresa seria capaz de dar relatórios mais elaborados e que se houvesse indícios de corpo mole, não passaria despercebido. Além de que ela gostaria de ver com os próprios olhos as armas que estavam sendo feitas para um ataque que estava sendo planejado.
Um vento gelado passou pela sua face que a fez franzir o cenho, a essa altura da escada não havia janela para ventilação. Honora deslizou seus olhos para as paredes de pedra, um pouco desgastadas e olhou para o buraco que se encontrava em uma delas. Um buraco que dava cerca de dois palmos e ao olhar de perto era possível ver algumas rachaduras descendo até o chão, provavelmente não era a única, que se não tivesse um reparo em pouco tempo despencaria e cairia na cabeça dos escravos e daria um prejuízo sobre os armamentos a serem fabricados. Ela sorriu, se tinha algo que gostava era ver um erro para apontar e mandar resolver e depois é claro, colocar no relatório para deixar que o rei pense o quão incompetente é a sua administração, e quão importante é a participação de Dauphis no reino.
Honora seguiu seu caminho virando em direção ao corredor que era iluminado por algumas velas e abriu a porta do escritório de Owen, com o odor de conhaque invadindo suas narinas.
“Com certeza derrubou essa merda no tapete pra ficar um cheiro tão forte. Porco imundo” Honora olhou para o estado do escritório e sentiu um cheiro que fez seu estômago embrulhar, cheiro de sexo e como não havia guardas do sexo feminino nessa região... Honora levou a mão até a nuca coçando enquanto caminhava até a mesa do supervisor da fábrica e se sentou, lendo os documentos que estavam em cima da mesa enquanto aguardava o homem vir ao seu encontro. Nada de útil estava naquelas páginas, ela bufou e ergueu seu olhar ao ouvir a porta se abrir.
-Vejo que não preciso me incomodar em dizer para que se sinta a vontade General -Owen Carcinni diz após vê-la sentada em sua cadeira, com documentos em mãos como uma bisbilhoteira
-Não precisa se incomodar, não vou me sentir a vontade nessa sala suja cheirando a conhaque e sexo recente com uma escrava -Ela sorriu venenosa olhando para o homem que ainda se mantinha de pé, provavelmente esperando para que ela se levantasse de sua cadeira- Bom, querido Carcinni. Minha visita não será longa. Vim ver o que você já produziu, irei levar uma amostra para a Capital, para que possamos fazer um experimento e ver se o que estamos esperando ansiosamente nos será útil.
-Uma amostra? Você saiu da capital para vir pegar uma espada? Acho que a General está começando a ficar entediada com seus afazeres e procurando novas coisas para se ocupar, se me permite dizer -Owen não era um homem feio, ele ainda não havia chegado nos 35, tinha a pele cor de avelã e olhos verdes, um físico um tanto atraente, e seus cabelos castanhos batiam rente à orelha. Mas era sua petulância e soberba que a fazia esquecer de todos esses detalhes e olhar para ele como se fosse um animal. Ele não era ninguém, apenas um supervisor que tinha que cuidar de escravos acorrentados em uma fábrica, nem era ele quem produzia as armas.
Honora sorriu, apoiando os cotovelos na mesa e juntando as mãos abaixo do queixo -Eu acho que quem está entediado é você, está tão inerte a ficar bebendo e fodendo escravas que não percebe detalhes mínimos que você está deixando passar. Imagine senhor Carcinni, eu, que vim apenas para ver como estava indo o andamento da produção e levar algumas dezenas de armamento enviar um relatório para o Rei relatando a sua incompetência de não perceber que esse lugar precisa de reparos imediatos ou esse lugar vai cair em cima da cabeça de todos e como se não bastasse perder escravos, perder várias matérias primas. Acho que isso seria um motivo realmente muito bom para ele querer sua cabeça. Não acha? – A General olhou para o supervisor com um olhar interrogativo, o homem estava pálido tentando dizer algo, mas o mesmo só conseguia gaguejar- Não estou interessada em desculpas. Se você subiu as escadas provavelmente viu o buraco que estava na parede e a quantidade de rachaduras que possuem, deve haver mais espalhadas por ai. Por isso que tenho que arrumar outras coisas para me ocupar, como por exemplo sair da capital e vir nesse fim de mundo. Não porque estou entediada, mas porque vocês não fazem o serviço direito e não quero falhar por causa de um simples supervisor desleixado.
Honora olhou para ele, o homem abaixou a cabeça e ela sorriu. No fundo Honora tinha que ir a Sundown, porém não era necessário que os outros soubessem da sua vontade de estar ali.
-Irei mandar que comecem os reparos imediatamente General -Ele falou e começou a se virar indo em direção a porta, mas antes que pudesse atravessar pela porta, Honora se levantou e o chamou.
-Não se esqueça de trazer o armamento que você já tem pronto, quero ver pessoalmente e levá-los para dar início aos treinamentos.
Assim que o homem saiu, Honora se dirigiu a pequena mesa de centro onde estava uma garrafa de conhaque, pegando o frasco médio e abrindo a tampa, aproximou de seus lábios abertos e despejou uma pequena quantidade na boca. Ela não colocou seus lábios na garrafa, provavelmente estava sujo de Owen. Após engolir o liquido sentiu a queimação descer por sua garganta indo para o estômago, ela largou a garrafa onde estava e caminhou pela sala enquanto aguardava seu retorno.
-Aqui, espero que esteja do seu agrado – Disse Owen logo atrás de dois guardas que carregavam um baú grande para dentro da sala. Ambos deixaram o baú no chão e o abriram. Honora olhou para o brilho das armas que nunca foram usadas e se aproximou pegando uma espada. Correu os olhos pela longa lâmina, era uma lâmina fina e afiada. Ela então voltou para o baú e encontrou uma espada que chamou sua atenção, uma lâmina um pouco mais grossa, porém ainda assim afiada nas laterais e com um estilo de faca de caça. Dauphis entregou a espada que tinha em mãos para Owen e pegou a que tinha lhe chamado atenção.
-Quero experimentar essa agora. Vamos ver se é tão forte, quanto é bonita -A General falou animada enquanto elevava a espada junto com Owen e então ambos colidiram suas lâminas, uma breve esgrima se iniciou para que pudesse ver o desempenho, força, e peso da arma. Honora desviou de um ataque de Owen e se abaixou rapidamente, novamente o homem de cabelos castanhos brandia a espada em direção a Honora que erguia sua espada para bloquear seu golpe. Ela olhou nos olhos do homem de cabelos castanhos e sorriu enquanto esticava as pernas para acertar as do oponente. Ele cambaleou para trás acabando por tropeçar em algo logo atrás e caindo sentado. Honora observando sua queda se levantou e apontou a espada em seu coração.
-Você me chutou, não foi um golpe limpo -Ele disse com as sobrancelhas franzidas de descrença, a mulher apenas deu de ombros.
-Numa batalha, se quiser vencer as vezes é necessário jogar sujo -Ela disse por fim, tirando a espada do peito do homem e dando as costas.
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Ódio Forjado
FantasyMuitos dizem que o futuro são frutos das nossas escolhas, que cada decisão tomada consciente ou inconscientemente nos levam a uma direção. E há quem diga que já nascemos destinados para algo na vida, seja para algo pequeno ou maior. Honora é uma jov...