22. A TRINDADE REAL

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Há uma larga escadaria de não mais do que meia dúzia de degraus no fim do salão. Cada degrau é meticulosamente talhado em mármore branco, contrastando com os corrimões de ouro polido que encimam os delicados balaústres de cristal. A balaustrada continua para além dos degraus, formando uma curva graciosa que circunda um estrado de formato oval coberto por um tapete de veludo carmesim. Sobre esse estrado repousa um imenso trono de madeira escura esculpida, o encosto formado a partir de um relevo simétrico de folhas e pétalas pontiagudas repletas de veias detalhadas. A maneira como as camadas de folhas e pétalas estão unidas lembra o formato de uma chama tremulante. Os braços robustos do trono são decorados com entalhes ornamentais que se assemelham a cachos de flores.

Alguém está sentado no trono. Um homem — pelo menos eu acredito que seja um homem, embora seja difícil dizer, pois o sujeito arde com um clarão dourado, não como o reflexo do sol em um espelho, mas como o próprio sol; entretanto, isso se desfaz num segundo, tão rápido e abrupto que me pergunto se apenas imaginei o clarão (talvez a luz que penetra as janelas da alcova atrás do estrado tenha me confundido com algum efeito óptico).

Agora que consigo focalizar o homem no trono — sim, é mesmo um homem —, reparo em sua aparência simples e em suas feições agradáveis. Ele tem cabelo cacheado escuro, olhos profundos como a noite e uma barba curta e escura que desenha seu rosto ovalado. Não deve ser muito mais alto que eu, talvez tenha a minha altura, e aparenta ser relativamente jovem, na casa dos 30 anos. É curioso como esse rosto me soa mais conhecido do que o meu próprio, mesmo que eu nunca o tenha visto antes.

A simplicidade de sua aparência não reflete nas roupas.

Ele está envolto num casaco de veludo de um púrpura profundo, bordado com padrões intricados em negro que lembram vinhas serpenteando pela superfície do tecido. O casaco, com ombreiras que lhe conferem uma silhueta pujante, está aberto para revelar uma camada interna de seda ricamente colorida em tons de dourado e vermelho. Um colar elaborado adereça seu pescoço, com múltiplas correntes de ouro e pedras preciosas vermelhas, culminando num pingente incrustado com gemas reluzentes que capturam e refletem a luz de maneira hipnotizante. Seu cinto é uma obra de arte, ornado com detalhes em ouro e uma peça central ostentando o brasão da Trindade Real. As mangas do casaco são luxuosas, os punhos bordados em filigrana dourada que acrescentam um toque final de opulência. Sobre o casaco, uma capa longa se acomoda suavemente atrás dele, como um manto de realeza, forrada de pele macia que emana um sutil ar de dignidade. Em seu dedo anelar, ele exibe um anel com um grande rubi central rodeado por pequenos diamantes.

O homem está olhando para mim — posso jurar que está, embora eu não tenha feito nada para atrair sua atenção. Sua expressão é apaziguadora. Os olhos escuros parecem enxergar além da superfície, como se lessem a essência da minha alma e me transmitissem uma paz profunda e inabalável.

Mesmo sem a menor vontade de tirar os olhos dele, faço um esforço e dou uma espiada ao redor. Percebo, com um choque repentino, que estou sozinho. Nim, Mei e todos os outros desapareceram. O salão, vasto e silencioso, parece um mundo à parte, uma bolha de realidade separada do resto.

Não fico assustado, no entanto. Nem preocupado. Olhando o homem no trono agora, um sentimento exultante toma conta de mim. Parece que tudo está em seu devido lugar, que tudo é certo e sólido. De repente liberto de meus receios, sinto meu corpo dormente ser puxado por sua figura gloriosa e, como uma mariposa que busca a luz, avanço com um passo trôpego.

— Isaac Christopher Lane — ele pronuncia com um tom melodioso e calmante, fazendo meu nome ribombar nas paredes longínquas —, você está aqui!

Ofego e luto para encontrar palavras adequadas para responder, mas elas me escapam. Estou tão absorto nas nuances aveludadas da voz dele — a melodia mais sublime, uma sinfonia singular que ultrapassa a profundidade de qualquer som já produzido por um homem — que não consigo raciocinar direito.

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