CAPITULO V

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Já haviam se passado longos minutos, horas seguidas e os olhos de avelã de Maylin acompanhavam cada tiktakear do relógio de parede no fundo do salão. Já era quase fim da noite, todos estavam mais embriagados do que sóbrios, muitos já haviam ido e outros se despediam com cordialidade, com promessas de retornos e jantares. A falsa amizade que o vinho lhes dava, mentiras sorrateiras nas pontas de suas linguas, suas risadas exageradas e o pudor perdido em algum lugar entre as primeiras duas horas de duração da cerimonia. Os homens eram insistentes e as jovens muito facilmente capazes de se encantar. Ela agradecia pela proteção exagerada de Martin às vezes, nada de vinho para ela, ou falar com outros homens ou com as jovens tagarelas e muito sorridentes. Tudo parecia tão falso porque ninguém era tão feliz quanto faziam parecer ali.

O seu ecantamento pelo rei foi quebrado quase que instantaneamente, assim que ele puxou uma de suas conselheiras para seu colo e ela sorriu como se fosse ela, não Maylin, sua prometida. Foi naquele momento que, por mais que tentasse negar a si mesma, ela percebeu o quanto era ingênua. Maylin era a piada ali.

Seu prato estava praticamente intocado com as ostras e molhos que ela adorava, mas seu estômago estava pesado e desconfortável. Ela bebia da água em sua taça, ora sorria, outrora acenava para as coisas que seu guardião falava com seus principais soldados, assistia as garotas de Mirgaden dançar como se estivessem sob uma maldição por horas, felizes como se seus pés não sentissem dores, e então ela assistia ao relógio. Um ciclo que se repetia de novo e de novo e novamente.

Martin dissera infinitas vezes para a garota o quanto mentes desocupadas eram fracas, o tédio as fazia tomar decisões tolas, e ela era o exemplo vivo para Martin, pois aliás, tomara infinitas delas. Todos pareciam ter se divertido naquela noite, logo, ela acreditava também merecer sua diversão, mesmo que pudesse custar caro mais tarde, muito caro as vezes, ou então não. Ela só precisava ser esperta e cuidadosa.

Quando os quatro homens de sua mesa estavam entrosados em um assunto estimulante sobre os jogos de azar, os grandes cassinos e as belas concubinas nas terras de Heviren, Maylin, disfarçadamente, arrastou a faca de mesa até suas coxas e escondeu sob as camadas de tecido fino de seu vestido, presa numa liga. Quando o relógio encontrou seu início novamente, soando meia noite, ela se levantou.

— Caros cavaleiros, foi um prazer dividir essa refeição e ouvir suas fantásticas histórias e atos heróicos. Entendo como se tornaram homens de confiança do meu criador. Mas estou exausta, preciso me retirar. Bom fim de festa a vocês. — Ela pegou os dedos de Martin entre os seus e os beijou, rápido e se retirou. Ela não poderia olhar muito em seus olhos, pois ele era muito bom em ler suas mentiras.

Quase saindo pelas portas brancas, ouviu o mais jovem dos soldados de Martin dizer: — Mulheres, seres domésticos que dormem mais que a própria cama.

Os outros soldados riram, mas Martin cortou, seco como quando a corrigia por pequenas infrações: — Por mais doméstica que seja, é a prometida de seu rei. Pense antes de usá-la como piada ao lado da mesa de Larken, jovem. Perderá seu nobre cargo depois de sua cabeça.

O silêncio foi curto e logo voltaram as risadas e os brindes por todo salão. Maylin também sorria, satisfeita com as palavras de Martin, quando atravessou as portas.

Ela foi para o seu quarto, trocou-se as vestes para uma camisola longa de cetim azul e esperou debaixo do pesado edredom de sua cama. Uma, duas, três horas e então a maçaneta da sua porta mexeu e os passos de Martin soaram pesados no piso, alertando a garota que mal percebera seus olhos dormirem. Ele se aproximou da cama e seus dedos acariciaram o cabelo de Maylin, parada como uma estatua, acostumada a invasão e a fingir, o peito respirando pesadamente, como em um sono profundo.

— Estou orgulhoso de você, querida. — E então ele a beijou na tempora, mais alguns passos no piso e logo a tranca da porta soou. Ele não voltaria naquela noite e ela estava trancada.

Sucumbida Por Estrelas E Mundos  [Em Atualização]Onde histórias criam vida. Descubra agora