Existem dúvidas. Muitas questões e perguntas.
Algumas pessoas passam a vida inteira perturbadas por causa desses questionamentos, outros os respondem com uma simplicidade tão grande que causa alvoroço naqueles que não possuem a capacidade de se conformar com tão poucas respostas.
Existe um Deus? Pra onde vamos depois da morte? Por que pessoas boas sofrem? Por que indefesos são expostos à maldade?
Eu costumo ignorar tudo isso, apesar dos grandes filósofos e pensadores falarem que fazer isso é coisa de gente burra.
Não ligo de ser burra se isso me impedir de não ir parar num manicômio.
Tá, não vou mentir.
Existem dias que essas questões me causam pensamentos profundos dos quais tenho dificuldade de fugir. Você entra naquele limbo de viver no fundo do poço... É familiar.
É confortável.
Nesses dias eu me permito ir até o fundo e deixo que perguntas como: " por que meu pai tentou matar minha mãe?" Ou "por que meu irmão tinha que entrar com uma arma na minha escola pra tentar matar todo mundo?" me perturbem até eu parar num hospital por coma alcoólico.
Pelo menos foi isso que aconteceu da ultima vez.
Mas esses dias são poucos, porque como eu disse, eu costumo ignorar.
E tipo, minha vida não é uma completa desgraça... Mesmo que toooooodos pensem assim.
Eu vivo dentro de uma ficção adolescente! Olha a roupa que estou usando! Uma saia plissada xadrez e uma camisa branca social de manga comprida que por incrível que pareça cai bem em mim.
Todos os jovens de 18 anos querem isso. Querem sim! Passar todos os dias presa num internato? É um sonho! Como séries adolescentes! Como Harry Potter! Como a Beth em O gambito da rainha.
Querem sim, com certeza!
Abro um sorriso largo, tal qual Joaquin Phoenix em seu papel no filme Coringa.
Adoro esse sarcasmo doentio.
Nem eu mesma consigo acreditar por mais de cinco segundos no que penso. Parece até charmoso admitir isso, a melancolia é linda. É a alma em carne viva.
A dor é meu lugar favorito de viver.
Palmas! Palmas!
Eu serei a nova Clarisse Lispector!
Tá, mas o que espero que aconteça? Um homem descendo com asas enormes me dizendo que sou um milagre?
Solto um bocejo enquanto caminho para a aula, mas paro num sobressalto quando escuto um som estridente de uma trombeta.
Meu coração acelera.
Por um instante fico paralisada, um calafrio repentino sobe por minha coluna. Imagens do inferno inundam minha mente.
- Meu Deus me perdoa! Me perdoa por tudo! Me perdoa pela maconha, pelo pó, por ter roubado aquele chocola... - rezo com os olhos apertados e as mãos juntas, meus dedos entrelaçados.
Lago de fogo. Julgamento final. Slide com uma imagem minha fumando um baseado e pensando em fazer um trisal.
Estou fodida!
Abro um dos olhos de forma receosa e ao longe enxergo cerca de 30 internos marchando ao redor do prédio velho do internato com cartazes, urrando feito guerreiros, e na frente como comandante, Sara Glória.
Tinha que ser.
Sara saltita com seu vestido florido e seus longos cabelos lisos ao vento. Em sua mão, uma bíblia grossa é sacolejada... Nunca pensei que um objeto poderia falar algo, mas se esse livro falasse ele estaria gritando por socorro.
- Beatrice! Oiiiiiiiii! - ela ergue as mãos pro alto quando me vê.
Eu estava tão fixada na bíblia que me esqueci que continuo parada sozinha no meio de um campo de futebol. Baixo minhas mãos e me endireito.
Com certeza sou um alvo fácil.
Sara Glória se desprende da manada e corre até chegar a mim. Ela tem um sorriso grande, suas sobrancelhas são grossas e suas bochechas rosadas.
É o tipo de garota que você veria na capa do livro de religião.
- Espero que não esteja indo para trás das arquibancadas fumar alguma coisa que você costuma fumar. - fala quando chega perto de mim: - O diretor colocou câmeras escondidas, quem for pego vai pagar multa enorme.
- Dois mil reais. É, meus pais já pagaram.
Ela arregala os olhos.
- Você é uma peste. - ela conclui.
Dessa vez perco as palavras e tenho o prazer de ver Sara Glória olhando para mim boquiaberta, sem reação. Do nada ela cobre os lábios como se tivesse falado um palavrão:
- Desculpe, não quis falar assim...
- Relaxa! Talvez eu seja mesmo, você sabe. - amenizo de um jeito empático - Não preciso de ajuda, Sara, pode ir embora.
Dou um tapinha no ombro dela de forma caridosa e me viro pra ir embora.
- Há esperança pra você, Beatrice! - ela grita pelas minhas costas.
Sinto um súbito misto de mágoa e raiva se espalhar por meu corpo feito um vírus medonho, e sem me dar o trabalho virar, ergo meu dedo do meio como resposta.
Nada disso vai adiantar se eu desistir de mim mesma.
Talvez amanhã, talvez depois de amanhã.
Mas dessa semana não passa.
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UM ÁVIDO AMOR
Romanceávido que deseja com ardor. "á. de comida" que vive ansiosamente uma expectativa; sôfrego. "á. por uma resposta da amada" PLÁGIO É CRIME, FAÇA A SUA HISTÓRIA. ™️