Há uma tremenda dúvida pra saber como é a grade curricular de um internato. Como esse é um internato religioso e feminino, é tudo bem...
Terrível.
Terminei meu ensino médio, me deram três opções de cursos que equivalem a um universitário: gastronomia, pedagogia e teologia.
Pedagogia é uma das profissões mais lindas que já vi na vida! Equivale a medicina, ao meu olhar. Mas que mãe vai deixar seu filho com uma maluca como eu?
E aí veio gastronomia.
É simplesmente um inferno! Eu literalmente odeio cozinhar, odeio cortar, odeio esperar ficar pronto, odeio medir, odeio deixar bonitinho. Odeio.
Sobrou... Teologia.
Quando caí por mim que iria fazer isso, liguei pros meus pais. A governanta atendeu e falou que meus pais não estavam disponíveis, então pedi pra ela deixar um recado pra eles:
- Terminei o ensino médio, não vou cursar teologia nessa prisão. Preciso sair para fazer algo que eu goste, prometo não dar nenhum problema.
Duas semanas depois sra. Menezes me chama em sua sala e me diz que vai ler em voz alta o que mandaram pra ela:
- Beatrice, se quiser sair do internato está livre. Porém, não terá mais nosso sobrenome, nem mesmo nada ligado a nossa família. Incluindo a vida financeira, da qual não nos responsabilizaremos nem mesmo pelo básico. Assinado, sr. E sra. Valdelha.
Lembro novamente da sensação de mãos formigando. Pontas dos dedos gelados. Rosto quente.
Não disse nada. Apenas saí da sala antes que a sra. Menezes me olhasse com pena ou resignação como se meus pais estivessem certos.
E aqui estou eu cursando teologia aos dezoito anos. Basicamente estou no 2º período e até agora só tenho duas certezas, uma: eles não estão nos ensinando teologia, e sim o quanto o cristianismo é o certo. Duas: o cristianismo não é tão bondoso como eles mascaram.
Mas eu finjo acreditar.
Sento no final da sala, já que Kira decidiu cursar gastronomia (???) afirmando que sempre gostou de preparar suas comidas coreanas, só por isso mesmo.
A gente tem até os 23 anos para continuar nesse lugar, depois, provavelmente nossos pais vão encher nossa conta de dinheiro e fingir que não existimos.
Manter a filha dentro de um internato até os 23 anos é responsável, jogar ela no meio do mundo depois é questão dela, não deles.
- Sabe, a questão aqui é que... - Sara Glória para de discursar na frente da sala quando me vê entrando, eu paro na porta e a encaro: - Beatrice, estamos falando da substituição do professor José para esse novo que nem conhecemos. Quer participar?
Semicerro os olhos e expresso desconfiança:
- Está tramando criar uma revolução pra tirar o novo professor? - provoco.
- Palavra proibida! - uma aluna ergue a mão e aponta pra mim.
- Desculpa. - finjo arrependimento e volto meu olhar pra Sara, que me olha séria.
- Não é isso, é que o professor José era incrível e...
- Incrível mas tinha 85 anos, Sara, deixa o homem morrer em paz. - rebato, indo até minha mesa - Esse também será uma cópia do professor José, então relaxa!
- Céus, Beatrice! - ela bate o pé no chão - Morte também é uma palavra proibida!
Dou de ombros e jogo minha mochila no chão, fazendo ecoar um baque surdo.
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UM ÁVIDO AMOR
Roman d'amourávido que deseja com ardor. "á. de comida" que vive ansiosamente uma expectativa; sôfrego. "á. por uma resposta da amada" PLÁGIO É CRIME, FAÇA A SUA HISTÓRIA. ™️