𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝚀𝚄𝙰𝚃𝚁𝙾

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Heitor Borgov

São só seis meses.

Seis meses.

Eu sobrevivi um dia.

Um dia.

E já quero me matar.

- Como foi? Muita freira gatinha? - Luke indaga do outro lado da linha, com certeza está chapado.

Solto um suspiro exaurido e abro a porta traseira do carro pra colocar todos os materiais que recebi. Livros e mais livros, cadernos e até um calendário letivo com uma imagem da Santa Afra.

- Um bando de... Alienadas. Garotas totalmente... - balanço a cabeça sem acreditar - Parece um filme de terror. Como elas conseguem ficar presas nesse lugar?

- Que bom que você chegou pra alegrar o dia delas. Já escolheu qual vai comer primeiro? - escuto ele baforar.

- Vou fingir que não escutei isso, pelo bem da nossa amizade. Só você sabe e entende o motivo pelo qual estou fazendo isso. - entro no carro e coloco a chave na ignição - Só não faço ideia se vale a pena.

- Ah, por um milhão... Acho que vale sim. - ele ri - Qual é! Todos da linhagem Borgov sobreviveram e estão todos aí com seus milhões rendendo no banco. Por que pra você é tão difícil?

- Meu foco é outro, Luke. E só aceitei fazer isso pra dar um gás nesse foco. - manobro o carro com uma mão só, saindo da vaga dedicada a mim no internato - Os meninos contam com isso também.

- Vocês já gravaram CD's, já apareceram na TV, já são conhecidos no país... Querem o que mais, porra?

- O mundo. - digo com convicção - E vou desligar, preciso organizar meu novo apartamento e... As... Aulas de amanhã.

- WOW! Isso foi irado, mano. Sussurra no ouvido de uma mina e ela vai goz...

Desligo o celular antes que ele termine.

Só mantenho contato com Luke porque sóbrio ele é meu contador pessoal, o que me diz que preciso fazer o que estou fazendo pra alavancar minha carreira.

Esperei até o ultimo instante pra vir parar aqui, ontem estava numa cidade barulhenta, com prédios enormes, engarrafamento e sons de sirene. Hoje estou dirigindo ao lado de uma bicicleta e de um carrinho de sorvete. O sol está se pondo, e eu estou sozinho.

Pra um primeiro dia, até que... Não foi tão ruim. Mas que porra é aquela de "palavras proibidas"? Isso é loucura! Como... como? O último a passar por isso foi meu tio Mark, mas ele é tão babaca que não sentiu a agonia que sinto agora.

Cresci escutando que deveria fazer isso, cursei filosofia e gostei, mas tive que fazer a pós em cristologia obrigatoriamente.

Depois fiquei livre pra fazer o que quisesse, aos 27 nem me lembrava mais dessa tradição, até que meu avô foi parar na UTI e foi me dito que teria que cumprir antes da morte dele.

Agora, aos 28 anos sou professor de filosofia num internato cheio de garotas alienadas.

Mal tem poste de luz nesse lugar, no casarão da minha família, então... Preciso descer do carro pra abrir os portões que rangem no meio da escuridão. O casarão é uma mansão velha, confortável e muito ultrapassada. Na entrada há um jardim enorme, quando entro o piso de madeira range.

Os móveis são todos velhos, tudo cheira a mofo e a carvalho, chamarei amanhã uma equipe pra limpar tudo isso. Subo as escadas e vou até o último quarto, o maior da mansão.

Antes de ir para Santafra, joguei todas as minhas malas e caixas aqui. A única coisa que tirei foi minha guitarra e o amplificador, mas agora estou tão cansado que jogo os cadernos e livros na estante e sigo para o banheiro.

Enquanto tiro minhas roupas, reflito que realmente esse é o primeiro dia de 6 meses que irei ficar. 6 meses sem a banda, 6 meses sem socializar, 6 meses sem nada. Nada.

Nada. Um jejum de 6 meses da vida. Da minha vida.

Após um banho gelado, me jogo na cama e fecho os olhos. Se eu dormir o amanhã chega mais rápido e assim por diante. Quando estou quase cochilando, meu celular vibra ao meu lado. Penso em não atender, mas lembro que agora estou longe de todo mundo e provavelmente não terei chance de me aproximar mais além disso, de uma simples chamada.

- Alô. - murmuro, de olhos fechados.

- Boa noite, professor. - é a voz do Nick - Vamos visitar você amanhã, todos nós e mais algumas pessoas.

Abro um sorriso sonolento.

- Podem vir. A casa é de vocês.

- Vamos tocar uma ultima vez e...

- Estou pronto. - nem espero ele terminar - Mas... É a despedida, depois são 6 meses sem me envolver nisso.

Não vou me entregar a essa vida pacata por seis meses antes de me despedir do jeito que gosto da minha vida normal.

- Prepare a guitarra. - é como Nick se despede.

UM ÁVIDO AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora