i. feridas que curam

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Demorou uma semana até que ela se sentisse corajosa o suficiente para partir em mais uma aventura proibida. Entretanto, mesmo com a demora, não havia um dia em que ela não lembrasse do garoto e sonhasse com as luzes flutuantes. Seu coração acelerava ao pensar no verde encontrando o castanho, com o dourado reluzindo pelos raios solares.

A ida foi tranquila. Como pagamento, ela levou para o motorista um pedaço generoso do bolo de chocolate que fez em casa. O homem sorriu e agradeceu, a gentileza da menina o surpreendendo. Ela ficou chateada por sua primeira amiga e companheira de viagem não estar ao seu lado dessa vez, não tendo ninguém para conversar sobre suas leituras e descobertas semanais. Talvez ela se apegasse rápido demais às pessoas e por isso sofresse quando não as tinha por perto, mas quem poderia julgá-la? Seu aprisionamento durante seus dezesseis anos trouxe uma solidão imensurável, então se empolgava ao conhecer pessoas novas.

Seu primeiro passeio foi ao The Grove, um shopping a céu aberto com várias opções de lojas famosas ao lado. As marcas de grife, que ela sequer conhecia, exibiam roupas espalhafatosas que a faziam franzir o nariz em total descontentamento. Não possuía um vasto conhecimento sobre moda; afinal, nunca havia visto programas de televisão e não sabia nada sobre passarela ou roupas usadas pelas celebridades. Era cômico como ela nem conhecia as celebridades, como se viesse de um planeta distante em que o idioma não tivesse nenhuma conexão com o da Terra.

A visita ao local foi, na verdade, um grande fracasso. Ela observou e observou, sentindo-se pior a cada momento. Parecia injusto um local com tantas coisas bonitas, mas também muito inacessíveis; os valores absurdos embaralhavam os olhos da garota que nunca pegou uma nota em sua mão. Tornava-se pior conforme seus pés travavam ao caminhar pela calçada da fama, cujo glamour contrastava com os moradores de rua que acampavam nas esquinas das ruas de Los Angeles. Pela primeira vez, ela concordou com a mãe: o mundo também podia ser um lugar cruel.

Decidindo deixar o dia mais feliz, ela foi ao hospital para vê-lo novamente, esperando que dessa vez ele já estivesse acordado. Infelizmente, foi informada de que o garoto já havia recebido alta, mas a recepcionista forneceu o endereço do paciente, confiando que Rapunzel não apresentava uma ameaça para ele. Parte de Rapunzel agradeceu; não poderia correr o risco de encontrar a mãe toda vez que saía para verificar como o amigo estava. Dessa vez, teve que se abaixar quando a mãe apareceu na sala da recepção e foi desconfortável esconder o cabelo que voava na direção que a progenitora olhava. Ela também estava chegando à conclusão de que precisava conseguir dinheiro de alguma forma, pois andar pela cidade inteira doía os seus pés, que sempre calçam sapatilhas. Por que precisaria de tênis quando tudo ao seu redor eram árvores, grama e flores?

Rapunzel caminhava com uma mistura de nervosismo e excitação enquanto se aproximava da casa de Miguel Diaz, localizada em um bairro modesto e tranquilo. A residência de dois andares tinha uma fachada simples, pintada de um tom neutro e com uma garagem ao lado. O pequeno jardim da frente estava bem cuidado, com algumas plantas e arbustos dispostos com carinho. Ao tocar a campainha, um som firme e ressonante ecoou pelo hall interno, e logo a porta foi aberta por uma mulher bonita que tinha os mesmos traços de Miguel, embora seus fios fossem mais cacheados que os dele. Ela a cumprimentou com um sorriso caloroso, vestindo uma camiseta de mangas longas azul claro e calça jeans. O ambiente ao fundo refletia o mesmo estilo descontraído e acolhedor que ela exibia.

"Eu gostaria de saber se o Miguel está..." Rapunzel perguntou, suas mãos mexendo uma na outra pelo nervosismo. Ela abriu um sorriso para a mulher e inclinou a cabeça para o lado. A outra não precisou responder, pois ouviram um grito vindo de dentro da casa.

"Teste de novo! Você é uma garotinha?" A voz masculina ecoou na sala, com um tom agressivo e motivador. "Levante!"

"Eu não consigo, sensei!" Miguel gritou de volta.

TANGLED SOULS, miguel diaz Onde histórias criam vida. Descubra agora