Gurunga 4 de 10

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Bairro São Sebastião, Beija Flor, 06:23 PM

Rafael estava parado diante da casa de Ariovaldo, um antigo colega de escola desde a infância, no passado eles já foram "inimigos", mas hoje, quase chegando a maior idade, se davam bem.

— Eu já tô ino, espera só eu passá um gel no cabêl. — Disse Ariovaldo ao perceber que o amigo estava esperando do lado de fora —

— Beleza, vai lá. — Disse Rafael —

Ariovaldo terminou de se aprontar e saiu de casa levando apenas um caderno e uma caneta Bic de tinta azul no bolso da calça jeans. Rafael também levava apenas caderno e caneta, mas a dele era de tinta preta. Os rapazes foram juntos para o colégio José Neves Teixeira, localizado a cerca de 5 quilômetros dali no bairro Aeroporto Velho, praticamente no centro comercial da cidade. O uniforme do colégio, naquela época era apenas uma camiseta de dois tipos, regata ou com mangas curtas, a regata tinha gola pequena e de cor azul, assemelhava-se a uma argola, as aberturas por onde os braços passavam continha as mesmas argolas azuis, mas num formato bem menos arredondado. A camiseta com mangas curtas, obviamente tinha mangas curtas e também as mesmas argolas azuis nas extremidades das mangas, a gola era grande, daquele tipo que se dobra para se ajustar melhor ao gosto de quem usa, também tinha dois botões abaixo da gola que podiam ser deixados abertos ou fechados, dependendo do gosto da pessoa. O escudo do colégio ficava na altura do peito, do lado esquerdo, seu estilo era bem parecido com muitos escudos genéricos, continha o nome da instituição de ensino e algumas figuras no centro.

"Droga! Esqueci de passá o desedorante."

Pensou Rafael.

— Você tem o DVD da banda Déjà vu? — Perguntou Rafael —

— Lá incasa tem, por que? — Respondeu Ariovaldo —

Eles agora caminhavam pela avenida Governador Nilo Coelho, estavam quase em frente à boate "Tio Dedé Eventos", que já havia mudado de nome algumas vezes sempre que era vendida.

— É que eu queria pegá imprestád pra fazê uma cópia? — Explicou Rafael —

— Ah, tá... duming eu tô incasa, pód passá lá qualqué hora que eu te impresto. — Disse Ariovaldo —

— Beleza, depois que eu fazê a cópia eu já devolvo. — Disse Rafael —

Os jovens seguiram pela avenida por mais alguns minutos e depois desceram à esquerda entrando na avenida Barão do Rio Branco, a avenida comercial mais importante da cidade, ela cortava a cidade mais ou menos ao meio, isso porque Beija Flor não é uma cidade planejada, então ela não tem um formato regular, no entanto, a avenida ia de um dos extremos da cidade e passava pelo centro. Eles seguiram pela longa avenida e entraram à direita na rua Treze de Maio.

— Você é sonso demais! As minina tava olhân pra nóis e você nem deu fé! — Disse Ariovaldo —

"Eu não vi porque elas num tava olhân pra nóis, tava olhân pra ôtra coisa, mais eu num vô contrariá."

Pensou Rafael.

Rafael achava que Ariovaldo era meio neurótico em relação ao flerte, ele costumava afirmar que certas garotas estavam "dando mole" para eles, mas na realidade, na maioria das vezes aquilo não passava de uma interpretação errada da parte de Ariovaldo que confundia um simples olhar com uma paquera. Às vezes as moças olhavam para eles da mesma forma como alguém olha para uma casa, um carro, um cachorro de rua e outra coisa qualquer. Ariovaldo estava "vendo" o que ele gostaria que fosse verdade e não o que de fato era verdade.

Eles passaram de frente da Policlínica, um hospital particular, continuaram subindo a rua até a rotatória, onde chegaram à Praça do Feijão, um amplo espaço frequentado por muita gente nos fins de semana e usado em eventos festivos, eles seguiram pela avenida Santos Dumont passando ao lado da prefeitura e depois de andarem mais um pouco, entraram à esquerda na rua Abelardo Edevaldo Alves de Araújo e lá foram até o número 279, onde ficava o colégio José Neves Teixeira. A instituição de ensino era uma construção num formato de L e com dois andares, no térreo ficava a diretoria, refeitório e várias salas de aula, mais ou menos no centro, havia um jardim circular com a estátua do busto de José Neves Teixeira. O andar superior continha apenas salas de aula e um espaço aberto, um tipo de sacada com alguns locais para se sentar, dali de cima era possível ter uma vista de quase toda a área do colégio.

— O ano que vem, eu quero vê se eu junt um diêro pra pegá um motô. — Comentou Ariovaldo —

"Se ele comprá uma moto... será que ele vai me dá carona?... pedi eu não vô, só se ele oferecê, mais... talvez ele pode dexá a moto só pra i ni ôtros canto... quá... capaiz que não, eu vô acabá é ficand sozin de novo na ida e na volta."

Pensou Rafael.

— Que moto cê tá querend comprá? — Perguntou Rafael —

Ariovaldo estava debruçado no parapeito da sacada olhando para as motos estacionadas lá embaixo.

— Eu tô querend uma Titan 98 ô 99 arrumada, mais o diêro ainda num dá, aí tem que juntá mais um pôc. — Respondeu Ariovaldo —

Entre as motocicletas estacionadas abaixo não havia nenhuma Honda CG Titan 98 ou 99, porém Rafael sabia bem como elas eram.

— Essas moto é massa, as bicha é forte, não gasta muito e é estilosa. — Comentou Rafael —

— É! Tem Titan 98 e 99 que ganha de muita moto mais nova. — Disse Ariovaldo —

O intervalo acabou, Rafael e Ariovaldo retornaram para suas salas de aula, eles não eram da mesma turma apesar de estarem na sétima série. Às 09:45 as aulas foram encerradas, Rafael saiu de sua sala e aguardou Ariovaldo ao lado do portão, esse era o combinado entre eles, um esperar pelo outro naquele local para evitar desencontros, caso a última ou as duas últimas aulas fossem vagas (quando a professora ou professor estivesse ausente) o combinado era que a pessoa iria embora e não esperaria pelo colega. Nos dias que havia aula vaga e um dos dois esperava pelo outro no portão por muito tempo e o colega não aparecia, o procedimento era ir até a sala e checar, se a sala estivesse vazia, era porque havia tido aula vaga, então o colega já havia ido embora.

— Olha a faca! — Disse Ariovaldo dando um cutucão nas costelas de Rafael que estava distraído olhando para os carros passando na rua —

— Vumbóra! — Falou Ariovaldo —

— Bóra. — Disse Rafael —

Os colegas saíram juntos.

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