Copial, Zona Rural de Matinho, 02:10 PM
Cassiano e seu neto Jardel entraram na propriedade de Domingos Borges, pela porteira principal, eles estavam no Pampa 1990 de cor azul escuro de Cassiano, na traseira do carro estava um eixo de carro de boi feito em madeira por Cassiano, o eixo estava sobre algumas lonas bem grosas para não estragar as partes de pratico que cobriam a traseira do veículo. Cassiano dirigiu até uma mangueira de copa larga, parou ali para deixar o carro na sombra. Uma senhora na casa dos sessenta e poucos anos percebeu a chegada deles e veio recebê-los.
— Boa tárd Seu Cassiano, vâm chegá. — Convidou ela —
— Boa tárd, Luzia, já tâm chegád. — Disse Cassiano indicando que não havia necessidade de muita cerimônia —
— Bença. — Disse Jardel estendendo a mão para a mulher —
Ela segurou a mão do rapaz levemente e disse: "Deus abençoa." O costume de jovens pedirem a benção para pessoas mais velhas, mesmo sem haver parentesco era comum.
Avô e neto foram convidados a entrar e se sentarem, a senhora lhes serviu um café recém preparado. Enquanto bebiam café, ela puxou prosa com Cassiano, Jardel por sua vez, ficou a escutar a conversa. Depois de uns 15 minutos de conversa, Cassiano informou a que veio.
— Intão, Luzia, eu vim aqui hôj pra mód trazê o êxo de carro de boi que Duming mim incumendô. — Explicou Cassiano —
— Eu sei, Duming falô mêrm que o sinhô vinha essa semana trazê ess êxo. — Disse ela —
— Ocê qué que coloca o êxo naônd? — Perguntou Cassiano —
— Duming pediu pra ponhá no dépóis. — Respondeu Luzia —
— Tá cért, intão. — Disse Cassiano se levantando —
— Eu vô abri a porta pra mód ocêis podê passá. — Disse Luzia indo buscar a chave da porta —
Luzia destrancou a porta do depósito e checou se não havia nada no caminho que pudesse atrapalhar a passagem, enquanto isso Cassiano e Jardel já traziam o eixo caminhando com cuidado, Jardel segurava numa ponta e o avô na outra. Apesar da idade avançada, Cassiano conseguiu fazer todo o percurso até o depósito sem precisar parar para descansar.
— Ai minhas costa. — Comentou Cassiano com a mão na lombar depois de colocar o eixo no piso do depósito —
— Oh gente! Se Duming tivesse aqui êl pudia tê ajudád carregá. — Lamentou Luzia —
— Eu queria trazer sozinho, mais vô num quis dexá. — Comentou Jardel —
— Ocê ia cabá era machucân. — Disse Cassiano —
Com a encomenda entregue, avô e neto se despediram de Luzia que disse que ainda era cedo para eles irem embora, entraram no carro e retornaram para a Taboquinha.
— Ô Jardel, tem uma casa de inxu no pé de pinha pert da portera, eu passei lá hôj e os bich afrechô ni mim, as peste mim ferruô no pescoço e nos braç, mais eu num vi naônd tava a casa deles, vê se ocê acha a casa e caça jêit de dirrubá ô quêmá. — Pediu Anísia —
— Pode dexá vó, eu vô dá um jeito neles. — Disse Jardel —
Normalmente as pessoas daquela região usavam duas maneiras principais de se livrar de vespas, a primeira e mais "simples" era derrubar a colmeia, mas para isso era necessário um golpe certeiro para derrubá-la e a pessoa precisava fugir correndo imediatamente para não ser picada. Com a colmeia no chão, a tendência das vespas era abandoná-la e procurar outro local para fazer uma colmeia nova. A outra maneira era usar uma vara com trapos amarrados na ponta e depois incendiar esses trapos, após queimar um pouco, o fogo era apagado para que os trapos liberassem bastante fumaça, então a ponta da vara era aproximada da colmeia para que a fumaça deixasse as vespas desorientadas, isso tornava o trabalho mais fácil, com as criaturas atordoadas, bastava derrubar a colmeia, inclusive era assim que muita gente fazia para se apropriar do mel das vespas. Jardel foi até a árvore e procurou com cautela onde estava a colmeia, ele demorou alguns minutos até achá-la, tratava-se de uma colmeia pequena.
"Por isso vó não viu onde tava."
Pensou Jardel.
A colmeia estava num galho fino da árvore, isso fez Jardel ter uma ideia.
"Eu já sei... de noite eu venho aqui com um facão e corto essa galha, de noite esses bichos não atacam muito, acho que eles dormem ou não enxergam no escuro."
Naquela noite Jardel foi até o pé de pinha com uma lanterna e um facão, ele apontou o facho de luz onde iria desferir o golpe e se preparou, segurou bem forte o cabo do facão, deixou-o um pouco na diagonal e desceu com precisão, o corte foi quase "perfeito", porém o galho ainda ficou preso pela casca e não se desprendeu totalmente, então Jardel rapidamente cortou a casca que ainda segurava a galha e se afastou. Nenhuma vespa tentou atacá-lo, Jardel podia escutar elas zumbindo no escuro, mas não se atreveu a apontar a luz da lanterna para onde a colmeia estava caída.
"Pronto, amanhã é capaz deles irem procurar outro lugar para morar."
Pensou Jardel.
Na manhã seguinte Cassiano averiguou se havia algum mel na colmeia, mas não havia nada, ele então pegou a galha com a colmeia e jogou dentro de uma grande grota que havia ali perto. As vespas que abandonam a colmeia caída ainda permaneceram reunidas em outra galha da mesma árvore, no entanto, para a sorte de Jardel e seus avós, elas acabaram indo embora depois de algumas horas.
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Gurunga 7
General FictionEste é o sétimo livro da série Histórias da Gurunga e desta vez, com certa dificuldade, pude encontrar mais um típico causo contado na região para incluir no livro. O ato de conversar com as pessoas mais velhas para tentar descobrir como era a vida...