Capítulo 6

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Eu já notava meu corpo mais fraco depois de tudo, mas por efeito do remédio senti um sono forte, me fazendo ir direto para a cama, sem processar de forma completa a informação que havia recebido. Quando me deitei senti meu corpo arder, não pela temperatura da água ou pelas roupas quentes que estava vestindo, mas um arder diferente, como se minha alma estivesse sendo retirada de mim a força. Segundos depois, um apagão, mas de alguma forma ainda consciente, eu sabia exatamente o que acontecia. A sensação não me era estranha, havia sentido a mesma coisa na noite passada, no beco, quando aquele ser estranho apareceu. Isso de novo?

"Olá novamente!"

Eu sabia! Porra.

"Sentiu minha falta?"

E por que sentiria?

"Quanta grosseria. Enfim, eu vim por um motivo simples. Se lembra do grupo de amiguinhos que encontrou hoje mais cedo?"

Sim. O que tem eles?

"Tenho algumas informações para você. Na verdade, um pedido."

Pedido? Estou te devendo alguma coisa por acaso?

"Não, não me deve nada, garoto. Eu apenas quero me certificar de algo..."

Eu preciso lembrar para um livro demônio que só estou passando por tudo isso por sua causa? Não conte comigo.

"Sinto muito garoto, mas você não tem escolha. Já coloquei as pessoas certas no seu caminho e não posso voltar atrás. Aquele grupo é essencial para mim."

Essencial, sei. Eu não quero envolvimento com essas pessoas, me entende? Apenas me deixe em paz, eu nunca pedi por isso!

"Não quer envolvimento com o grupo inteiro ou posso destacar uma exceção? Não vou te deixar em paz, sinto muito por isso."

Cala essa boca. O que quer que eu faça? Vire amigo deles? Faça parte da família?

"Exatamente!"

Esquece!

"Não me dê trabalho, garoto. Apenas me deixe explicar a situação."

Você é péssimo! Anda logo com isso.

"Vamos lá. Você já deve ter pensado no porquê deste livro ter te chamado a atenção, certo? Pois bem, eis a verdade: eu fiz isso! Fui eu quem despertou em você esse desejo, quem destacou as páginas no momento exato para serem lidas. O motivo? Bem, preciso cumprir minha missão neste mundo e você me foi mostrado como uma boa forma de fazer isso."

Puff, ok! E por que eu te ajudaria a completar essa "missão"? Vou ganhar um prêmio de participação no fim? O título de bom garoto? Sinto muito, mas não tenho interesse nesse tipo de coisa! Agora, se não for pedir muito, me esquece!

"Você é uma pessoa difícil de se lidar, em? Ainda me pergunto o motivo de ter aceitado isso. Mas enfim, como eu disse antes, você não tem escapatória. E, de qualquer forma, essa missão vai te ajudar também, já que preciso de sua evolução para completá-la- o que parece difícil de acontecer."

Minha evolução? Por que isso é tão importante para você? Você não poderia ter escolhido outra pessoa? Qualquer outra! 

"Escute. Coloquei aquele grupinho barulhento no seu caminho e quero que se aproxime deles. Não é difícil, apenas faça! Eu poderia te deixar a qualquer momento, mas em vez disso preferi te ajudar e acabar com meu problema, então deixe de reclamar e faça o que mando!"

No momento em que abri minha boca para uma resposta senti minha garganta fechar, sendo estrangulada com a pura força do medo que senti daquele ser, segundos antes de sumir daquele escuro frio, deixando com que apenas sua enorme e monstruosa silhueta se mostrasse para mim, como um aviso antes de meu despertar, para que eu nunca esquecesse da realidade da minha situação. Ficando paralisado, uma forte luz branca começou a surgir do fundo daquele vazio, me levando rapidamente ao meu corpo físico, de forma turbulenta. Com um susto e falta de ar, abro meus olhos e sento num pulo na cama, pondo minha mão em volta do pescoço enquanto arfo. Aquela foi a mesma silhueta que vi no beco, a mesma sensação, mas algo estava diferente, como se estivesse mais próxima a mim e pudesse me ver de uma forma mais íntima, mais clara. Depois de alguns segundos consigo finalmente regular minha respiração e recobrar a consciência, então olho a minha volta e percebo que o sol quase desaparece, deixando apenas um pouco de luz passar pela minha janela, junto com aquele ar frio. Ao contrário do que imaginava, não estou mais com aquele terrível mal-estar, me sinto bem.

Olho para o relógio em minha parede e vejo que são 18:40 da noite, resolvo levantar da cama e checar a casa. Chamo pelos meus pais, mas aparentemente ainda não chegaram, então vou direto para a cozinha preparar algo para comer, mas para controlar minha cabeça ligo a televisão da sala em um canal qualquer, aparentemente um programa de fofocas- alguém ainda gosta dessas coisas? Para acompanhar o desenrolar da traição entre dois famosos que nunca ouvi falar, faço um simples sanduíche de queijo e presunto com maionese, junto com o resto de suco de uva que estava na geladeira. Devoro o lanche e percebo que estou entediado, mas não quero voltar ao assunto do livro, pelo menos não agora. O que eu realmente quero fazer é dar uma volta, talvez ir à praça que fica perto da minha casa, apenas para sentir o ar frio e esticar as pernas, isso com certeza é melhor que pensar sobre o livro-demônio ou traição. Não vejo o motivo de não fazer, por isso desligo a televisão, vou para meu quarto colocar uma roupa quente e saio de casa usando meus fones de ouvido que comprei recentemente para escutar minhas músicas. A essa hora tudo já estava escuro, apenas com as luzes das casas e dos postes, mas as crianças estavam brincando na rua enquanto seus pais conversavam entre si, tornando a atmosfera aconchegante.

Começo a caminhar pela calçada observando as famílias, prestando atenção na minha respiração e aproveitando a bela trilha sonora em meus ouvidos. Mesmo tendo passado por momentos difíceis nestes últimos dias, pude finalmente perceber a mim mesmo e fazer uma coisa simples, como caminhar por aí livremente e poder pensar em coisas boas. Eu estava precisando disso, sinceramente. Após alguns minutos andando, atravesso a rua e sigo em frente, num lugar agora um pouco deserto, para finalmente chegar a praça que tanto queria estar. Por mais que eu more perto dela, raramente venho para cá, já que costumo ficar em casa, mas em dias como este, confusos, gosto de mudar de ambiente. O lugar é pequeno, com um parquinho ao fundo e bancos espalhados. Nunca vim para cá neste horário, apenas de manhã e pela tarde, quando as pessoas ainda estão caminhando e algumas barracas de comida ficam abertas para o público. Pela noite parece diferente, talvez mais calmo e ao mesmo tempo tenso. Eu, de certa forma, achei reconfortante.

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