Capítulo 7

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Caminhei por alguns minutos adentrando o local, fazendo um reconhecimento do terreno à minha volta. Após horas de pressão, sinto que finalmente deixei de ser observado pelo livro-demônio, ou seja lá o que aquela coisa seja. O importante é que estou me sentindo livre aqui, longe dos problemas, longe das pessoas, apenas uma mente calma e imersa em paz. Me sento no banco localizado no centro da praça e começo a observar em volta, buscando entender como aquele local, até a pouco misterioso, funcionava num momento de descontração como o meu. Pude perceber o balançar das folhas das árvores, passarinhos voltando para seus ninhos, o som da cidade ao longe. Tudo sempre tão calmo e lindo, como pude em algum momento duvidar disso? Com o passar dos minutos em que passo aqui posso sentir cada vez mais que tomei a decisão correta ao sair para caminhar. Eu deveria fazer isso mais vezes.

Depois de um tempo observando, reparo em uma figura relativamente alta adentrando a praça, vindo em minha direção. Sinto meu coração disparar, pensei que ao menos teria descanso aqui, mas aparentemente estou tão louco que minhas alucinações com aquele livro-demônio estão se tornando reais até mesmo em refúgios protegidos como este. Mas talvez isso seja bom, talvez eu possa usar essa oportunidade para questionar a tal criatura cara a cara, desta vez no meu território, com as minhas regras. Com uma coragem questionável surgindo de súbito em meu sangue, me levanto do banco e sigo em frente com passos rápidos mas, ao chegar um pouco mais perto, aguço meu olhar para a silhueta e congelo automaticamente, percebendo que o que via não era irreal, muito menos o livro-demônio, mas sim o garoto que havia conhecido na farmácia hoje cedo. O que caralhos ele está fazendo aqui?

- Oh! Olá! Corin, não?
- Ah... sim, sim. E você, Kai?
- Sim, você se lembrou.- diz isso com um sorriso de satisfação- O que está fazendo por aqui a esta hora? 
- Bem, estava a fim de respirar um pouco. Nunca imaginei que te encontraria num lugar desses.
- Eu também gosto de respirar às vezes.
- Claro- respondo com um riso tímido.
- E então, mora por aqui?
- Não, estou apenas de passagem...- sei que menti, mas não posso me expor assim.
- Claro, claro.

O que esse cara quer afinal? Por acaso está me seguindo? O vi uma vez na vida e já está me fazendo perguntas pessoais. Será isso influência daquela entidade? Ela bem me disse que eu deveria entrar no caminho deles.

- Bem, já está ficando tarde, preciso ir. Foi bom te ver de novo, Corin!- Kai diz e logo começa a se afastar.
- Espere!
- Sim?
- Seu amigo falou algo sobre comermos juntos hoje cedo. Bem... estava pensando se a oferta ainda esta de pé.
- Hum. Isso foi inesperado.
- Me desculpe, você tem razão. Esqueça o que eu disse.- Droga!
- Nós gostamos da lanchonete que você nos indicou, vamos almoçar lá amanhã. Pode nos acompanhar. 
- Claro. Eu irei!
- Bem. Te espero lá.

Mas que merda eu fiz? Acabei de falar que esqueceria esse assunto e agora já tenho um almoço marcado com pessoas que mal conheço. Por que caralhos eu achei que seria uma boa ideia? Esse Kai, ele até pode ser legal, mas apenas ele, não aqueles dois esquisitos. Enfim, fiz besteira. Amanhã aparecerei por lá e vou dizer que tive um compromisso de última hora. Uma pena, mas não vou me preocupar com esse tipo de coisa. Por agora eu deveria relaxar minha mente e aproveitar o tempo que me resta.

Após dar uma última volta ao redor da praça, decido ir para minha mais nova ex escola, apenas para saber como andam as coisas por lá. Num período de uns quinze minutos consigo chegar ao meu pesadelo, depois de ter enfrentado o frio e o barulho ensurdecedor dos carros a buzinar. Paro na frente do portão principal e encaro o interior do lugar pelas frestas, a fim de tentar ver algo que me desperte de alguma forma, como uma pessoa conhecida ou uma das caixas de som da festa, mas em vez disso não consigo ver nada. As luzes estão apagadas e o pouco que vejo refletido da iluminação dos postes são alguns confetes jogados no chão, indicando que logo mais alguém virá para limpar a bagunça. É engraçado pensar sobre isso, mas por ter saído cedo não sei que tipo de bagunça foi feita nesse lugar, nem quem ficou até a última música, ou que horas esse portão foi fechado, apenas sei que os queridos alunos estavam bem animados na noite anterior, com uma energia que provavelmente durou por horas. Eu, por outro lado, fui à biblioteca e me encontrei com uma entidade demoníaca. Bem, vendo por esse ângulo, talvez minha noite tenha sido mais animada que a dessas pessoas, mesmo sem querer.

Não sei o que esperava vindo aqui. Talvez estivesse com esperança de chegar e a festa ainda estar acontecendo, mesmo depois de um dia inteiro, e mágicamente perder minha timidez, sair por aí conversando com qualquer pessoa e fazer amigos para o resto de minha vida. Besteira pensar que depois de anos de exclusão eu conseguiria algo diferente de culpa vindo para cá. Aquele livro estava certo, eu apenas vivo em minha mente, idealizo realidades, finjo que acontece, mas na verdade é tudo uma grande ilusão. Eu estou a anos me afastando das pessoas, aos poucos ficando cada vez mais e mais sozinho, e fortificando minha imaginação deturpada. Olhe para mim, enquanto as pessoas estão em suas casas se divertindo com suas famílias ou saindo com os amigos eu estou aqui, numa escola, chorando por ser tão patético e miserável que não consegui trocar meia dúzia de palavras com uma pessoa que poderia ser uma amiga. Deixando tudo e todos passarem pelas minhas mãos sem nem me esforçar para ficar, eu simplesmente vou embora. Ir embora, é isso que vou fazer, voltar para casa e tentar recuperar a paz que sentia agora a pouco. Eu nunca deveria ter vindo.

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